“Basta estar vivo
pra
ser subversivo
(Ou
subservivo.)”
Nesse
breve atalho entre o berço, com guarnições de cambraia, hidratante importado
para as dobrinhas e colônia francesa para realçar o cheirinho de bebê, imagino
que tenha custado muito suor para chegar ao chamado reconhecimento do mérito.
Regras
rígidas para não passar a hora das refeições, não sujar o uniforme antes de
sair para a escola, só assistir desenhos animados na hora autorizada por mamãe,
fazer as lições do dia, chamar a professora de senhora, só brincar com as
crianças que os pais autorizassem, não falar com estranhos (muitos menos
aceitar balinhas oferecidas por eles), não falar alto durante o culto ou a
missa, entender que “é para o seu bem” tudo que lhes foi dito pelos familiares
mais velhos.
Tudo
isso deve ter sido muito cansativo.
Nem um
só dia sem carne (de primeira) ou peixe ou frango ou equivalente. Sem
sobremesa. Sem merenda entre as refeições. Nem um ano sem uniforme e sapatos
novos. Sem cadernos e livros novos. Jamais um professor que lhe falasse mais
alto que o autorizado pelos pais. Férias sem alguma viagem, de jeito nenhum. Talvez mais de uma para a Disney! Festas de aniversário (e noivado) com círculos selecionados de convidados. Nenhuma topada ou mesmo chuva sem a proteção
devida. Um Natal sem o presente escolhido, nem pensar!
Como
entender o lado de cá?
Como
aceitar quem frequentou escola pública (se e até quando conseguiu)? Como
entender quem estudou com uniforme de segunda mão, restos de cadernos, livros
usados e rabiscados? Ou nem isso? Como respeitar quem chegou à escola e não
havia a merenda, que substituiria o almoço, ou ela estava estragada? Como
igualar-se com quem cresceu fazendo a faxina da casa, tomando conta dos irmãos,
esquentando o próprio almoço, dividindo um bife ou um ovo? Como conhecer quem
fazia as suas amizades na rua, ali jogava bola, brincava de pega, iniciou-se
sexualmente? Como considerar cidadãos os que se revoltaram com a falta de
ônibus, as cadeiras quebradas na escola, os banheiros interditados, a falta de
professores? Os que transformaram a sua indignação em explosões individuais ou
coletivas? Aquilo que se convencionou chamar de baderna?
“Basta
não figurar
no
registro civil
pra
ser incivil.
(Ou
vil, pra encurtar a palavra.)”
Mas
nem todos tiveram sequer esses “direitos”.
Muitos
(talvez a maioria) vivia em um lugar que dificilmente poderia ser chamado de
casa. Não havia praticamente o que limpar no local. Não tinha, por exemplo,
um banheiro. Precisava buscar a água para as necessidades mínimas. Ao menos uma
vez por ano, tinha que abandonar o lugar em que se recolhia a família por conta
de inundações. Família?! Quantos foram abandonados em orfanatos ou entregues a
quem os criasse? Ou ao menos abrigasse? Quantos tiveram que deixar suas cidades
e buscar a sobrevivência onde simplesmente nada os esperava?
“Basta
ser incivil
pra
não ser ninguém.”
Enfim,
no lado obscuro da lua, ali onde não há visibilidade para os bem nascidos, onde
lhes é impossível enxergar, ali vivem negros, vivem índios, muitos dos ciganos
(“existe isso no Brasil?”), ali crescem e habitam os que enfrentam a luta para
estar vivo ao final de cada dia.
“Basta
não ser ninguém
pra
ter o apelido
que a
polícia dá
a quem
não é ninguém.”
Isso
muitas vezes significa oferecer o seu corpo, o que lhe resta de força física,
de destreza para superar ou evitar condições adversas, como o enfrentamento com os maiores e mais fortes ou experientes,
a intolerância dos que não aceitam sequer a sua aproximação, da segurança
privada, de milícias ou da polícia. Implica em compartilhar com práticas que
nem sabem constituir-se em crimes. Ou imaginam, mas percebem que não existe
alternativa.
“Tinha
eu dois nomes:
Zebedeu,
que a
miséria me deu.
E
“elemento subversivo”
que a
polícia me deu.”
É nessa maioria da sociedade que floresce a
rebeldia. Nessa maioria nem sequer vista pelos destinados à avaliação de
mérito, ou vista como algo a ser evitado, mantida ao longe.
Como
as flores que vicejam na lama. A lama formada pela assepsia daquele ambiente em
que se cuida dos fadados ao sucesso. Ou dos poucos a quem se dá a esperança de
penetrar nessa disputa pelo nem sempre provável reconhecimento de sua dignidade.
Não
falta quem tenha instrumentos para aliciar parte dessa maioria marginalizada,
iludi-los com promessas vãs ou fazer com
que se voltem contra os semelhantes, identificando-os como inimigos.
“E
apenas uma dor:
a que
a vida me deu.
e
eis-me aqui, incivil,
(ou
vil, pra encurtar a palavra).”
Ali
está a origem de Lula.
Cada
vez mais gente percebe que ele sentiu as mesmas dores, passou pelas mesmas
condições e só por isso pode lhes oferecer alguma esperança.
Cada
vez mais gente consegue traduzir as ações de seus governos, o conteúdo do seu
discurso simples e rico de significação. Apropriar-se disso e identificar que
aquele é o caminho.
É por
isso que Lula é inaceitável.
É por
isso que Lula precisa ser destruído.
Grande
parte dos despossuídos já tem a clareza do que está em disputa. E até muitos dos
que eram embriagados com a ilusão de que estavam muito próximos dos
privilegiados já conseguem ver a mentira que sempre lhes foi diariamente incutida,
a falsidade da expectativa de futuro que lhes era oferecida.
“Uma
patada de cavalo
em
meio do comício
e
eis-me aqui, estendido em decúbito
dorsal.
(Ou já
cortado ao meio,
sem
dor, nem sal.)”
Não!
Não podemos nos submeter à fatalidade aludida nos belíssimos e lúcidos versos
do Canto Incivil de Cassiano Ricardo.
A luta
está à nossa frente e sequer temos mais como evitá-la.
Vivemos
um processo de urbanização forçado por interesses que fizeram desaparecer a
possibilidade de vida no campo. Vivemos a favelização da população que foi
lançada nas cidades. Vivemos a segregação dessa gente. Vivemos a violência com
que durante duas décadas de ditadura a revolta foi reprimida. E a
marginalização de parcelas cada vez maiores da sociedade. Sabemos que se coloca
à nossa frente a imposição de um projeto em que o sofrimento será ainda maior,
um grupo cada vez menor terá acesso a condições aceitáveis de sobrevivência.
Não
temos alternativa que não seja lutar.
E
aprendemos a suportar dificuldades e enfrentar inimigos aparentemente
superiores.
Temos
o caminho e vamos segui-lo.
“Basta
estar vivo
pra
ser subversivo
(Ou
subservivo.)”
Lula
pode contar conosco.
Fernando Tolentino
Lula sera para mim não um herói, mas sim o grande ser humano que viveu e presencio muitas dificuldades na vida, e aprendeu com essas dificuldades e lutas que o Brasil tinha geito, ele consegui realizar seus sonhos que era ver milhares e milhares de famílias com condições de vida melhores! Agora os fascistas estão perseguindo até os padre que acreditam em Lula e condenan o golpe!.
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