A
frase do título foi ouvida por Stevam Gomes Cerqueira Filho, guarda-volumes em
Curitiba , quando, sem ter onde morar, completava um ano dormindo em bancos da
rodoviária da cidade, trocando diariamente de lugares para enganar a
fiscalização.*
(A
matéria está na edição mais recente de Carta Capital - https://www.cartacapital.com.br/revista/960/stevam-o-ex-morador-de-rua-que-acolhe-migrantes-em-curitiba)
No dia 12, o ocupante
do Palácio do Planalto fez uma solenidade para comemorar (imagine o cinismo!) a
sanção da reforma trabalhista, que estará valendo plenamente dentro de 120
dias. As mudanças, que praticamente jogam no chão as conquistas da CLT (que é
de 1º de maio de 1943) e as que a aperfeiçoaram, como a lei do 13º Salário (julho
de 1962), a inclusão dos direitos na Constituição de 1988 e a lei que, em 2015,
estendeu aos domésticos os direitos dos demais trabalhadores.
Os golpistas puderam se
abraçar no salão nobre do Palácio sem que isso chamasse muito a atenção dos
prejudicados pela medida. A grande mídia teria as manchetes ocupadas pela
condenação do ex-presidente Lula pelo juiz de primeira instância do Paraná. O
relatório estava pronto desde junho. Por que a condenação não foi na
segunda-feira? Por que não na semana seguinte? Ninguém consegue disfarçar que
estava engatilhada para o dia em que os trabalhadores receberiam a terrível
punhalada pelas costas. Uma tragédia ajudaria a esconder a outra.
A tal reforma
trabalhista só vem completar o serviço da Lei de Terceirização, antes aprovada
pelos golpistas, que possibilita a contratação indireta de praticamente qualquer
tipo de serviço, assim descaracterizando inteiramente a relação entre
trabalhadores e empregados.
Não bastasse, o governo
que retirou a presidenta eleita Dilma Rousseff ainda trabalha para aprovar a
reforma da Previdência, que deixaria os trabalhadores descobertos, sem
esperança de atingirem o tempo para a aposentadoria antes da morte. A proposta chegou ao Congresso com a exigência
– entre muitas outras – da comprovação de 49 anos de exercício para o recebimento
do chamado “salário integral”. Detalhe: não é igual ao recebido na vida ativa,
mas equivalente àquele sobre o qual tenha contribuído. Para que haja alguma
retribuição na aposentadoria, a exigência seria de 25 anos.
De tão drástica, o
governo está fazendo algumas mudanças para tentar aprová-la. A exigência para o
“salário integral”, por exemplo, baixa para 40 anos. Não resolve, pois esse
tempo na carteira é quase inatingível com a nova legislação trabalhista. Mas
essa reforma exige uma mudança na Constituição (contornada pela trabalhista), o
que requer 3/5 dos votos de deputados e senadores.
FARINHA
POUCA, MEU PIRÃO PRIMEIRO
A Lei das
Terceirizações e a reforma trabalhista mostram que a mão do Poder Executivo não
tem o mesmo peso para todos. Beneficiaram-se à larga os setores empresariais
mais poderosos, que vêm na dilapidação ainda maior dos direitos dos trabalhadores
a saída mais rápida para eventuais prejuízos causados pela crise econômica.
Antes, o governo
golpista já vinha sendo escandalosamente generoso com os grandes veículos de comunicação
e os grandes bancos. Com a reforma da Previdência, pretende justamente atender
ao pleito do setor financeiro, criando um mercado adicional de vultosas
proporções para os fundos de pensão. Com a fragilização do SUS, inclusive com o
arrocho de investimentos públicos por 20 anos, abre maior espaço para os planos
de saúde.
No mesmo momento em que
enfia a reforma trabalhista goela abaixo da sociedade, o governo também atendia
aos grandes fazendeiros. Muitos deles já em plena farra, com a possibilidade de
ampliar o desmatamento.
Por outro lado, jorram
os benefícios para o capital internacional. Para citar apenas alguns caos, a Petrobras
e o setor petroleiro vão tendo cortados importantes nacos, busca-se a aprovação
de legislação que libere o limite de propriedades rurais para estrangeiros,
abre-se a Base de Alcântara e libera-se a operação na Amazônia para militares
dos Estados Unidos.
Tudo isso se dá com
notória compra de apoio no Congresso Nacional.
Enquanto aprova o que
combinou ao anular o resultado das urnas de 2014, o governo de Michel Temer atua
para se manter no poder, mesmo após evidenciar-se que um dos fatores do êxito
do golpe foi a proteção dos políticos corruptos que se articularam para empreendê-lo.
O tal “estancamento da sangria”, de que falou o senador Romero Jucá, então
presidente do PMDB e hoje líder do governo no Senado. A manobra que, segundo
ele mesmo, deixou impregnado nas fitas gravadas pelo ex-senador Sérgio Machado,
se daria “com o Supremo e tudo”.
Se é verdade que os
processos ainda não estão conclusos, o certo é que o Judiciário não tem
demonstrado a menor antipatia pelo esquema de corrupção instalado em torno de
Temer.
Vítima do Judiciário é o
Partido dos Trabalhadores e quem lhe é próximo, além principalmente de Lula, de
quem se sabe que pode ser o elemento desestabilizador de toda essa tramoia. Por
ter amplas condições de se eleger em 2018 e pela capacidade de mobilizar os trabalhadores
desde já.
O senador Aécio Neves,
pilhado com fartura de provas, teve garantido o seu retorno ao mandato, ainda
emoldurado por generosos elogios do ministro Marco Aurélio Mello, enquanto os
familiares comprovadamente envolvidos em seus atos de corrupção tiveram a
liberdade restituída.
Liberdade também foi o
prêmio para os envolvidos mais íntimos de Michel Temer, ainda que estivessem
praticamente sufocados por provas tão enfáticas quanto uma mal com R$ 500 mil
fixadas em um vídeo. O deputado Rocha Loures é uma homem hoje tão livre quanto
o ex-ministro Geddel Vieira Lima. De Loures, dizia-se que não conseguiria
segurar a língua, estando em vias de estrepitosa delação, possivelmente
abortada pelo relaxamento de sua prisão.
Para não se dizer que
fica nisso a orgia, a Polícia Federal começa a ser duramente contingenciada,
até atando as mãos de investigações que podem chegar na intimidade do governo.
A grande mídia parece não se escandalizar, tanto que a prisão de qualquer traficante
de esquina obtém maior repercussão midiática que a apreensão de aeronaves que
vinculam diretamente a responsabilidade de senadores e ministros, um esquecido helicóptero
e, nos últimos dias, um avião, o primeiro com 450 kg e o último com 662 kg de pasta
básica de cocaína.
Quanto a Lula, é de
pasmar que sua condenação não surpreenda o Brasil, embora questionada por várias
das mais importantes vozes do mundo jurídico. Até os ratos que chafurdam os esgotos de
Curitiba sabiam exatamente qual seria a sentença da ação do juiz Moro contra o
ex-presidente Lula. Aliás, os ratos é que mais sabiam mesmo, à exceção de algum
rato analfabeto que vagueia pelas ruas da capital paranaense.
O senador Roberto Requião
diz que condenação do Lula é como “prender alguém por assassinato de uma pessoa
que está viva!”
Voltando ao mundo da caridade
mais imunda, a que é feita com o nosso chapéu. Embora óbvio que entre os mais
conhecidos pilares do governo Temer está o da corrupção, ele vem conseguindo se
sustentar no ambiente do Parlamento. A provocação do procurador Rodrigo Janot,
eivada de provas, e o parecer do relator, deputado Sergio Zveiter não foram
suficientes para que o encaminhamento do seu caso fosse ao Supremo. Membros da
Comissão de Constituição e Justiça foram substituídos e a distribuição de R$
15,3 bilhões foi suficiente para Temer não ser derrotado nesse estágio.
Sequer adiantou que o
próprio império das Organizações Globo tenha se colocado inesperadamente na sua
oposição, talvez por entender que é preciso pôr em sua cadeira alguém capaz de
crescer até as eleições de 2018, quando há o risco de Lula aparecer como
candidato.
VOCÊ NÃO VALE
NADA MESMO!
O maior risco de 2018
para os atuais vitoriosos é evidente: já não dá pra esconder da opinião pública
a importância do voto para o Poder Legislativo.
O Executivo pode muito.
Um exemplo significativo foi a aprovação, pelo mesmo Congresso de hoje, da
legislação que beneficiou os trabalhadores domésticos, sancionados pela
presidenta Dilma Rousseff em 2015.
Tanto pode muito que se
deu a articulação para afastá-la da Presidência. Afinal, ela representava essa expressiva
possibilidade de articulação de uma maioria no Legislativo (mesmo nunca
demonstrando grande capacidade para isso ou o menor apetite para misturar-se
com aquela gente). Tinha ainda o “poder de veto”, o de não sancionar o que
viesse a ser eventualmente aprovado por um Congresso adversário.
Uma campanha sucessória
fatalmente levará a essa discussão. Não adianta a maioria dos brasileiros
expressar nas urnas apenas a intenção de ter um governo desenvolvimentista, comprometido
com a inclusão social e solidário com os povos que, em outros países, também lutam
para superar a condição de miséria. É indispensável que essa vontade se repita
nos votos para deputados e senadores. Ou sua vontade será traída, como vem
sendo atualmente. E traída a partir dos votos desses mesmos eleitores.
O ano de 2014 oferece
uma notável oportunidade de virada
história caso essa “lição de casa” seja aprendida.
Tudo é feito,
especialmente no Judiciário e na grande mídia que lhe dá sustentação, para que não
disponham do caminho mais curto os trabalhadores e os empresários que vivem de
uma sociedade de economia crescente e descentralizada.
Mas é impossível
assegurar a condenação de Lula, em segunda instância, sem que haja sequer uma
prova para justificar isso.
Mais do que isso, como
reconhece o poderoso Estadão (http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,condenacao-e-denuncia-ampliam-duvida-eleitoral,70001892010),
nem mesmo impedido de candidatar-se Lula pode ser considerado uma carta fora do
baralho, tal a sua influência política. Além disso, como reconhece a matéria, a
centro-direita ainda não tem um candidato com viabilidade suficiente para
enfrentar Lula ou mesmo o nome que indicar.
Se a campanha for
suficientemente pedagógica, estará ao lado de Lula uma lista de candidatos que
possam lhe dar efetivamente sustentação no Congresso Nacional. Com um detalhe:
cada estado oferecerá duas vagas de senador no ano que vem, a possibilidade de
substituir 2/3 da Casa.
Isso significa que as péssimas
condições vividas pelos brasileiros neste ano podem não se repetir nas eleições
de 2018. Parte do esforço dos grupos poderosos pode dar em água.
Mas isso depende de
você. Da capacidade de, atento ao que vive atualmente, definir com clareza qual
deve ser o seu voto. Isso vai dizer se, ao contrário de hoje, você vale alguma
coisa.
Se o seu ônibus vai ou
não algum dia chegar.
Fernando Tolentino
*A ilustração é do próprio Stevam
Gomes Cerqueira Filho
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