terça-feira, 25 de abril de 2017

VOCÊ VAI FICAR DE FORA?



Há décadas não vejo uma só mobilização sem a prévia martelada de algum mau agouro do tipo “não vai dar em nada”.
Nos tempos terríveis da repressão militar, era mais compreensível. Os militantes eram gatos pingados, perigosos terroristas segundo pintava a propaganda oficial. As pessoas comuns nos temiam. Daí as mobilizações serem quase somente de estudantes ou por eles lideradas.
“Vocês estão dando murro em ponta de faca”, ouvíamos repetidamente, mesmo quando o regime vivia nos seus estertores, a maioria no Legislativo dependia de diversos casuísmos eleitorais e se via forçado a suspender a censura, além de conceder anistia política, ainda que limitada.
Em 1984, as oposições tomaram nas mãos a proposta de emenda apresentada nos primeiro dias de mandato pelo deputado estreante Dante de Oliveira, em que propunha nada menos que eleições diretas para presidente da República. E resolveram fazer justamente o que os brasileiros parecem nunca acreditar: reverter a sólida maioria parlamentar governista a partir de um grande movimento de massas.
Quantas vezes eu ouvi “não adianta”, “o povo não está nem aí pra política”, “vocês acham que os militares vão entregar o poder assim fácil!”
Foi nesse clima de descrença que viajei para o comício de São Paulo em janeiro de 1984. Fui com meu filho Iuri, então com 11 anos, e Moacyr de Oliveira Filho, também jornalista e militante do PCdoB, como eu à época. Imagine a surpresa ao nos aproximarmos da Praça da Sé e vermos grandes grupos em marcha, saindo de tudo quanto era esquina, das estações de metrô, eufóricos, muitos com camisetas preparadas para aquele evento.
Aguardávamos na rodoviária o ônibus da volta, ainda embriagados com a maravilhosa manifestação popular quando o apresentador do noticiário da TV Globo, a câmera fechada no palanque para não mostrar as 300 mil pessoas presentes, disse que lideranças políticas nacionais e inúmeros artistas haviam participado de uma festa de aniversário da cidade na Praça da Sé.
Foi só de janeiro a abril, mas a campanha das DIRETAS JÁ inflamou o País. Houve comício nas capitais de todos os estados e em muitas outras cidades, todos com grande número de presentes e enorme entusiasmo. Os exemplos pipocavam. Um amigo relatou-me, impressionado, a experiência reveladora de Irecê, interior da Bahia. Como só havia vereadores do PDS (partido que apoiava a ditadura), fora criada uma “tribuna popular” na Câmara, aberta ao cidadão comum em um dia da semana. Pois se formou uma fila de jovens da cidade que estudavam em Salvador e aproveitavam o espaço para defender as DIRETAS JÁ. Foi tal a pressão que, embora governistas, os vereadores acabaram aprovando, por unanimidade, um pedido para que os deputados votados na cidade apoiassem a emenda Dante de Oliveira.
Depois de muito cobrada nas ruas, a TV Globo passou a cobrir a campanha a partir de um dos últimos comícios, o segundo realizado no Rio de Janeiro.  
Os pessimistas incuráveis certamente dirão: “Mas a emenda não passou.” E é verdade. Faltaram 22 votos: 298 deputados votaram a favor, 58,1%, bem mais que a maioria. Só 67 votaram contra e 113 se ausentaram. Um claro sinal da força do movimento foi a rebeldia na bancada do PDS, que tinha 235 deputados.
A votação se deu com Brasília cercada pelos militares, para impedir a chegada de manifestantes, e tropas nas ruas para reprimir os atos políticos de brasilienses. A revolta diante da repressão e o apoio à emenda foi expressa por vigorosos buzinaços, que tomaram conta da cidade.  
E A DESCRENÇA CONTINUA
Depois de um ciclo de importantes conquistas sociais iniciado com a eleição de Lula em 2002 e de um golpe parlamentar e midiático, com sustentação ou omissão do Judiciário, assumiu um governo que já antecipara a sua determinação: favorecer os interesses dos grandes grupos econômicos, especialmente o setor financeiro, destruir o que houvesse de direitos dos trabalhadores e setores populares, além de promover intenso processo de desnacionalização da economia.
Faz somente um ano desde o afastamento da presidenta Dilma e a decretação do golpe em si ocorreu efetivamente no último dia de agosto, há oito meses.
Foi nesse período tão curto que um governo sem qualquer legitimidade popular conseguiu colocar para trabalhar um legislativo que parecia em greve durante um ano e meio do segundo mandato de Dilma Rousseff. A verdade é que nem na Constituinte deputados e senadores foram tão pródigos na aprovação de medidas legislativas, inclusive emendas à Constituição, que exigem o voto de três quintos dos deputados e dos senadores. Nenhuma dessas matérias, claro, beneficia a maioria dos brasileiros, especialmente o povo mais humilde.
Uma das emendas constitucionais veda que o governo amplie as despesas públicas por 20 anos, salvo no limite da inflação do período. É um arraso, prometendo o desmantelamento das áreas de saúde, educação e segurança, para não falar em outros investimentos governamentais e no arrocho contra os servidores públicos. Só se livrou a cara dos que se beneficiam com a parte do orçamento destinado a pagamento de juros.
Ao apagar das luzes de 2016, foi aprovado projeto de iniciativa de José Serra que permite a exploração do Pré Sal sem a participação da Petrobras, o que significou a perda da garantia de que o recursos teriam destinação social nas áreas de saúde e educação.
Não dá pra deixar de lembrar a mudança nas regras do ensino médio, que retira qualquer sentido crítico da educação pública, criando um fosso de formação entre os jovens que frequentam as escolas mantidas pelos governos e os das escolas privadas.
Outras medidas trouxeram prejuízos diretos para o trabalhador, como a redução no reajuste do salário mínimo e as novas regras para desfrutar do seguro-desemprego. Ao lado disso, desde o início do período de Temer à frente do governo, foram afetados vários programas sociais do governo e já há a promessa de que outros também vão desaparecer ou serão seriamente afetados. Nessa lista, incluem-se o Pronatec e o Ciência sem Fronteiras, praticamente extintos, redução substancial nos recursos para o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, FIES, ProUNI e a perspectiva de desativação do Farmácia Popular.
Paralelamente, as instituições de ensino federal perderam a condição de investirem e as empresas estatais sofrem drástico enxugamento. Banco do Brasil, Caixa Econômica e Correios têm milhares de agências fechadas e servidores são demitidos, com ou sem planos de demissão voluntária.
Uma das investidas mais ousadas sobre os direitos dos trabalhadores veio no início de 2017, com a aprovação de lei de terceirização irrestrita da mão de obra. Ousada pela amplitude, pois não exclui atividade fim ou sequer a administração pública, além de precarizar o trabalho, com dispositivos como o que permite o contrato de experiência por nove meses. Mas ousada também pela forma, pois se desprezou projeto em andamento, já aprovado pela Câmara e sob análise do Senado, aprovando iniciativa submetida ao Legislativo ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso e que teve a sua retirada pedida pelo então presidente Lula no início de seu primeiro mandato, em 2003.
JÁ NÃO DÁ PRA ENGANAR NINGUÉM
A pauta que investe contra os interesses populares parece não se esgotar.
A tática da mídia governista, intensamente utilizada, tem sido a de desviar a atenção do público da agenda de perda de direitos, com o massacre de notícias sobre a Operação Lava Jato e as denúncias de corrupção.
O efeito não é o esperado. Um, porque ficou claro para a opinião pública, ainda que a mídia tente ofuscar, que a corrupção inunda a base governista, contaminando todas as suas principais lideranças e membros da equipe de governo. Tanto que já não se ouve falar dos que foram às ruas pedir o afastamento da presidenta Dilma. Dois, pois já não é possível enganar os que defendiam o “impeachment”: ele veio para subtrair direitos dos trabalhadores e das parcelas mais carentes da população, mas também das classes médias, incluindo os pequenos empresários, afetados pela perda de dinamismo da economia.
A agenda do governo tem no momento dois pontos cruciais, com a apreciação quase simultânea pelo Congresso de projeto que, de tão radical na representação dos interesses do capital, significa uma revogação tácita da CLT, que data de 1943 e vem sendo aperfeiçoada desde então, e mudanças profundas nas regras da Previdência Social, que retiram a expectativa de aposentadoria para os trabalhadores.
Mais à frente, já se anunciam novas medidas também prejudiciais às camadas historicamente mais desassistidas, como a exigência de submissão ao Congresso Nacional das demarcações de terras para comunidades indígenas.
Aos estados, pretende-se impor regras para a renegociação de suas dívidas que praticamente lhes obriga à repetição do modelo adotado pela União.
Parcelas substanciais da sociedade compreenderam o que se passa e reagem. Não são apenas centrais sindicais ou outros movimentos de representação dos setores mais pobres da sociedade, como os de trabalhadores rurais sem terra e moradores urbanos sem teto ou mesmo o movimento estudantil. Manifestam-se entidades que congregam juízes e procuradores do trabalho, denunciando que a Justiça Trabalhista simplesmente tende a desaparecer, e representações de igrejas, como a CNBB e as Igrejas Evangélicas Históricas.
É claro que a insatisfação popular atinge a base parlamentar do governo. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a média de apoio ao governo na Câmara caiu de 91% (julho de 2016) para 79%. As reações mais recentes mostram rebeldia entre os partidos que apoiam o governo e a direção do PSB, que tem inclusive um ministro na equipe de Temer, já deixou claro que não votará a favor das duas reformas: a trabalhista e a da Previdência.
O governo já tentou adiversas manobras, aliviando dispositivos do projeto da Previdência que atingem grupos específicos. A tentativa mais enfática de sair do canto do ringue se dá, no entanto, com a imposição de celeridade na votação dessas matérias. Assim, questões tão importantes para o conjunto da sociedade são apreciadas sem qualquer debate com a população. Em outras palavras, dá mostras de que está fugindo da reação popular, quer dar o fato como consumado antes que as forças sociais tomem a iniciativa das ações.
E A GREVE GERAL?
Enquanto o governo impõe à base parlamentar submissão inconteste e rapidez nas decisões, chegamos às vésperas de um importante enfrentamento. Marcada para esta sexta-feira, 28, tudo indica que o Brasil finalmente terá uma Greve Geral capaz de trazer consequências concretas, valendo-se do já evidente isolamento social do governo.
Com o apoio de lideranças religiosas, personalidades jurídicas e intelectuais, entidades estudantis e de outros segmentos da sociedade, além das representações classistas, a Greve Geral promete ser mais representativa que todas as experiências anteriores de grandes paralisações nacionais.
Centenas de categorias já decidiram cruzar os braços e outras prometem evoluir para isso nas próximas horas, entre elas várias que são fundamentais para o funcionamento normal das próprias estruturas urbanas, como rodoviários, metroviários, portuários, professores, bancários, profissionais de saúde (inclusive médicos em alguns casos), servidores públicos federais, estaduais e municipais, policiais, vigilantes e vários outros segmentos de trabalhadores terceirizados, para citar somente alguns casos. Até escolas privadas, prefeituras e órgãos locais do Poder Judiciário decidiram-se por fechar as portas.
Muitos outros trabalhadores expressarão o apoio de outras formas, inclusive se negando a consumir o que quer que seja nesta sexta-feira.
Apesar disso, ainda é o caso de perguntar a cada pessoa insatisfeita. Você também vai cruzar os braços? Pelo menos apoiará explicitamente o movimento? Ou vai repetir a velha ladainha de que não adianta fazer nada?
Fernando Tolentino

segunda-feira, 24 de abril de 2017

GLORIFICAÇÃO DA COVARDIA



Maria Fernanda Arruda
Pessoalmente, não tenho interesse ou sequer acompanho vida de "estrelas" de TV. Sou aquela que opta por nem ler revista de sala de espera por ter desprezo aos seus conteúdos.
Não obstante essa posição, não pude deixar de tomar conhecimento da personagem que se evidencia por graça desgraçada de mídias. Soube um dia do fato desse cafajeste ter regido o coro de infames que desrespeitaram com vaias a presidenta (esta representante de TODA A NAÇÃO, com autoridade conferida, pois, pelos brasileiros e não por grupelhos de pulhas). Tal ato que, com incrível covardia de policia e todas as demais autoridades do país, passou sem qualquer registro ou punição.
Mas a ninguém deve ter escapado de julgamento de covardia. Agir sob proteção de malfeitores, instruídos para envergonhar o país em comemoração internacional, reflete intenção dolosa de sabotar a honra nacional.
Onde ficaram todos os fardados e policiais do país nesse evento? Todos assistindo em suas poltronas o incrível HUCK? Não consegui ouvir ou ler NADA que registrasse a menor reação. E era esse gesto um sinal que se mostrou semelhante aos fogos de artifício que meninos do morro usam nas favelas do Rio de Janeiro para avisar a chegada de polícia. Papel de moleque a serviço de criminosos, sem dúvida!
Acabei, após ter tomado conhecimento desse imundo procedimento, tendo a curiosidade em saber de sua ação, "oferecendo" brasileiras como prostitutas aos estrangeiros que visitavam o Brasil por ocasião de outro evento (ou já havia isso antes?). Seria esse tipo o padrão de nossa ELITE? Em terra de ignorantes, só sobra dinheiro para separar quem se denomina elite.
Realmente aqui não podemos nos gabar de ter elite cultural, intelectual ou científica. Mas não exageremos: colocar um sabido cafetão, leviano, petulante sem valor ou respeitador de valores alheios foi como jogar lixo sobre os conceitos de valor da sociedade.
Imposição de mídia? Se foi por esse lado, passa a ser crime de quadrilha - a mídia não deveria jamais prestigiar crimes! Ainda que saibamos que sua ação é muito ligada a isso, inclusive com "compra" de togados venais em proteção prévia para seus deslizes e sonegações fiscais.
Agora tomamos conhecimento de que o elemento foi juntado a outros de caráter semelhante para receber condecorações de mérito, pasmem, MILITAR!
Que tipo de valores se estarão cultuando nas casernas? Seria o primado da falsidade, cafajestagem, cafetinagem de brasileiras para coito com estrangeiros ou a covardia que cerca todos esses profissionais? PROXENETA QUE DESMORALIZA EM ATO COVARDE A PRESIDENTA DO PAIS DE TODOS OS BRASILEIROS MERECE MEDALHA - E POR OUTORGA DO EXÉRCITO?
Parece o caso do jargão cômico de se pedir - desliguem os tubos, nem vale a pena viver!!

quinta-feira, 13 de abril de 2017

UM PAÍS DE TRAMBIQUEIROS



Coisa desanimadora é olhar em volta e concluir que pode ser verdade quando se define o Brasil como o país do jeitinho. Como o daquela máxima de uma propaganda dos anos 70 e que quase estigmatizava o craque Gerson, do Botafogo e do escrete nacional: “Tem que levar vantagem em tudo, certo?”
Alguém “aluga pneus para vistoria”, outros vendem trabalhos de conclusão de curso (e tem quem compre, claro), taxistas fazem dinheiro com trajetos desnecessários e somos advertidos para ficar esperto ao sair de um carro de Uber, pois o condutor pode não ter encerrado a corrida. Para redobrarmos também a atenção quando ele chega, pois pode ser um falso Uber, que tenha interceptado nossa chamada. Amigos ligam para saber se queremos comprar recibos médicos para usar na declaração de Imposto de Renda. Representantes de operadoras se oferecem para serviços “por fora” e até colocarem pontos não contratados. Muitos fazem “gatos” em ligações de energia elétrica, outros interceptam a rede pública de água, fugindo do controle. Médicos e dentistas propõem pagamentos sem notas. Não poucos emplacam os seus carros em cidades vizinhas para pagarem IPVA menor. Há quem alugue crianças para atendimento rápido em bancos. Ou compre celular “baratinho”, fingindo desconhecer que foi roubado. Temos que abrir os olhos para produtos “batizados”: gasolina, perfumes, uísque, cachaça e tantos outros. Gente que torcia o nariz para escolas públicas transferem para elas os seus filhos somente para usarem cotas nos vestibulares. Após um jantar de serviço, não é raro ouvir a pergunta do garçom: “Quanto quer que ponha na nota?” Empresários reduzem as suas retiradas e descarregam despesas pessoais e da família em suas empresas, assim fraudando o Imposto de Renda. Com o mesmo objetivo, quantos deixam de declarar o que recebem de aluguéis e outras receitas? E os empregados sem registro na carteira, os domésticos ou os das empresas? Por vezes em acordo com os próprios empregados, que recebem assim para continuarem no seguro desemprego?
Ufa! Nem falar de autores de grandes tramoias, as que lhes fazem temer impostos como a CPMF, por revelarem a movimentação financeira, seja ou não lícita. Tramoias como o tráfico, a exploração do jogo de bicho, o contrabando ou o Caixa 2. Ah! O Caixa 2... Como é que entra na empresa o dinheiro com que se paga a propina do político? Só em um conto de fadas daria para crer que todo Caixa 2 vai para as mãos de políticos.
Uma certeza eu tenho. O caríssimo leitor lembrou de várias irregularidades comuns, constatadas no seu dia a dia. Outras ele nem percebe. É possível que alguns só agora se tenham dado conta de que é um trambique muita coisa relatada aqui. Pois, apesar de tudo isso, ainda sou tentado a afirmar que a maioria dos brasileiros orgulha-se de sua honestidade. E quase sempre com razão.
E o Brasil era visto assim pelo mundo até bem pouco tempo. O que se identificava como jeitinho era a criatividade, a capacidade de resolver problemas imprevistos. Tive como companheiro de viagem há menos de dois anos um engenheiro que trabalhava na Coreia, na construção de navios para a Petrobras. Dizia que os trabalhadores coreanos eram mais operosos, aplicados. Mas ficavam paralisados diante do que fugia da rotina. Os brasileiros encontravam rapidamente uma alternativa.
Na América Latina ou na Europa, ouvi estrangeiros falarem do Brasil e dos brasileiros com admiração. E um dos motivos era esse tipo de “jeitinho brasileiro”. Como para enfrentar uma crise mundial investindo no seu próprio crescimento e, mais, distribuindo renda. O inverso da opção dos governos de seus países, que optaram pelo arrocho neoliberal. Vi que nos invejavam.
Não fui ao exterior depois que o golpe derrubou Dilma Rousseff. Mas aquela admiração virou fumaça, segundo ouço de amigos que têm viajado para fora do Brasil ou residem em outros países. Duas imagens estão neles impregnadas: um país em que já não há democracia e um país de trambiqueiros. E a conclusão não surgiu do nada. O primeiro grande impacto foram as imagens daquela fatídica sessão da Câmara dos Deputados (fará exato um ano no próximo dia 17), dirigida por um parlamentar já tido como um meliante e entre os votantes dezenas com processos judiciais e policiais variados, a grande maioria oferecendo seus votos a filhos, netos, pais, como se fosse um auditório de programa de calouros. Depois, o martelar cotidiano da mídia, com a pauta de corrupção generalizada. A partir da já famosa “lista de Fachin” essa constatação passa a ser tida como inquestionável: todo político brasileiro é corrupto.
PEDAGOGIA OU DEMAGOGIA
Isso é verdade?
O mínimo a dizer sobre “a lista” e sua divulgação é que se mistura tudo. Como se fosse tudo igual. É preciso dizer que, em política, se faz pedagogia ou demagogia. Não há uma terceira categoria. E isso se aplica a todos os agentes envolvidos: os políticos, quem faz a cobertura jornalística da política e os responsáveis pelos processos policiais e judiciais.
Alguém aí consegue citar algum personagem preocupado com a pedagogia? Interessado em que a opinião pública tenha clareza do que se passa nos processos? Aos políticos, interessa mostrar que os corruptos estão na bancada contrária. Até aqui, a grande mídia comercial e os responsáveis pelas investigações pareciam ter quase um acordo para apontar o PT como um partido de corruptos e, mais que isso, quase um inventor da corrupção ou, ao menos, o seu grande padrinho. A partir dos últimos dias, mesmo mantendo a predileção pelo PT, a ofensiva se expande. A palavra de ordem parece ser a demonstração de que político é sinônimo de corrupção.
Vejamos. A corrupção subentende uma transação indevida de interesses entre o agente público e o particular. No caso da Lava Jato e processos judiciais e policiais paralelos, está em apreciação, genericamente, o fato de políticos (ou outros agentes públicos) receberem recursos de empresários. Se o beneficiado não é político (um ministro do Tribunal de Contas, por exemplo), nada explica que recebesse qualquer doação. Caracteriza obviamente enriquecimento ilícito, sendo inevitável concluir que a doação implica no uso do cargo para a prestação de algum “favor” eticamente injustificável.
Tratando-se de político, o recebimento em si não basta para caracterizar corrupção. O sistema político brasileiro pressupunha o financiamento privado de campanhas. Daí, há algumas situações em que empresas repassaram recursos a políticos.
- O Caixa 2, quando o político recebe a doação e não a declara na prestação de contas da campanha. Ela pode ter sido efetivamente usada na campanha, embora sem contabilização. Em si, é um crime eleitoral, ainda que o recurso não tenha sido apropriado pelo político para o seu enriquecimento pessoal.
- A doação regular para uma campanha, com a devida contabilização e prestação de contas à Justiça Eleitoral. Embora regular, pode ser caracterizada como corrupção, bastando que, para obter o recurso, o político tenha se comprometido com a defesa de algum interesse do doador no âmbito da administração pública.
- A terceira hipótese é a de que o político tenha recebido a doação sem que a destinação fosse a campanha eleitoral. Uma propina pura e simples, em que obtém uma doação para defender interesses do empresário. A cada uma dessas situações corresponde um tipo de tratamento judicial e um tipo de punição específica.
Basta lembrar o exemplo do processo que ficou conhecido como “mensalão”. O do PT, pois o do PSDB, que foi anterior, sequer foi julgado. E praticamente não ficou conhecido, pois é uma raridade a sua menção pela grande mídia. Pois as duas grandes discussões no chamado “mensalão” foram se (1) a origem do recurso era pública e (2) era um caso de Caixa 2, o PT transferindo recursos para o pagamento de despesas de campanha do PL e do PTB, que haviam disputado conjuntamente a eleição de 2002. As condenações só resultaram em penas de prisão porque a justiça decidiu que não foi Caixa 2.
Tendo um tratamento penal mais brando, existe na política uma atitude mais frouxa com relação a Caixa 2. Às vezes a pedido do doador, que não quer o seu nome vinculado ao político ou partido. Isso é comum, por exemplo, em pequenas cidades, onde o doador contribui para campanhas adversárias, mas não quer que isso chegue ao conhecimento público, temendo uma retaliação após a eleição.
O fato é que os conceitos têm sido misturados. Apesar disso, o juiz Sérgio Moro chegou a relativizar as doações ao PSDB, alegando que não podiam ser propinas porque ele não integrava o governo. Desconhece que, no início de seu primeiro governo, Lula teria aceito indicação de Aécio Neves para a direção de Furnas? Desconhece que interesses de empresas também são tratados no Legislativo, como ocorreu com o então presidente do PSDB, Sérgio Guerra, que recebeu um agrado de R$ 10 milhões para paralisar uma CPI sobre a Petrobras?
Vi o deputado Vicentinho (PT-SP) esclarecer que recebeu doação de R$ 30 mil sete anos atrás e pedir que observem os seus projetos e votos desde então, nenhum deles atendendo interesses da empreiteira.
Os deputados Paulo Pimenta (PT-RS), Darcísio Perondi (PMDB-RS) e o ex-senador Sérgio Zambiazi (PTB-RS) parecem ter sido envolvidos em uma trapalhada, pois o ministro Fachin devolveu a denúncia para a PGR, pedindo que dê mais esclarecimentos. O procurador (não dá pra pôr a culpa em um estagiário) misturou os três, que são inclusive de partidos distintos, e dois fatos de épocas diferentes: de um lado, pedidos de apoio financeiro dos deputados dois anos antes, em que o próprio delator se diz traído na memória pelo tempo, mas ressalva (“acho que eram institucionais”, regulares portanto); de outro, um pedido do ex-senador de 2012 de ajuda financeira a uma instituição de apoio a idosos e drogados, em que alegou não recordar se Zambiazi sabia como se davam as doações.
Enfim, fato semelhante ao ocorrido na explosão do intitulado “mensalão”. O Jornal Nacional citou inúmeros políticos que teriam recebido recursos indevidos. Sem dó nem piedade. No dia seguinte, o noticiário teve que ressalvar vários deles. Seu repórter fora vítima de um vazamento irresponsável de informações originadas no gabinete de Rodrigo Maia (DEM-RJ). Por conta de meu trabalho e de minha atividade política, identifico diversos políticos que fazem a sua representação parlamentar com a maior dignidade, entre os quais Pimenta e Vicentinho.
Saliento que a homenagem à honestidade estende-se a parlamentares de outros partidos. Não me julgo também no direito de sequer jogar lama em adversários citados nesta lista. Os políticos refletem a sociedade em que vivem e que representam. Embora mais pressionados, por conta do sistema eleitoral, padecem das influências comuns aos demais cidadãos. Em uma sociedade adoecida, não dá pra esperar que todas as pessoas sejam sistematicamente virtuosas. Por que esperar isso de todos os que os representam?
Prefiro aguardar investigações meticulosas, que identifiquem se cada nome foi mencionado com responsabilidade pelos delatores ou o fizeram apenas para agradar investigadores, na tentativa de abreviar o seu suplício, após dois anos de prisão que só se explicam para forçar tais delações. Dessa forma, um dos mais conhecidos comunicadores sociais do Brasil chegou a ser preso e torturado, durante a ditadura, porque um colega, tentado escapar das dores dos castigos físicos, falou o seu nome injustificadamente. Mais que isso, a individualização de cada nome, o que realmente significa a sua inclusão na lista, o que eventualmente houve de irregular e qual a acusação que se pode fazer.
Não me permito contribuir para a disseminação da ideia de que a atividade política é inevitavelmente podre e que a saída para o Brasil passa por fora dela. Em qualquer país do mundo, quero encontrar uma imagem ao menos respeitosa com relação ao Brasil e aos brasileiros. Em outras palavras, que faça justiça ao País e seu povo.
Além disso, tenho muito claro o que significaram 21 anos de ditadura e tive notícias do que foram os do Estado Novo.
Chamo essa atitude de pedagógica. A própria negação da demagogia.
Fernando Tolentino

terça-feira, 4 de abril de 2017

ENTREVISTA NADA ENGRAÇADINHA





Comissária de bordo?
- Fui
Professor?
- Era.
Bancário?
- Já fui.
Vaqueiro?
- Eu era.
Engenheiro?!
- Agora, só de formação.
Frentista?!
- Era o meu emprego.
Repórter?
- Era sim.
E agora?!
- Sou uma pessoa jurídica. Um PJ.
Tem patrão?
- Tenho?
É o seu chefe?
- Varia.
Como é isso?
- Cada dia em um lugar. Daí, o chefe muda.
Muda de lugar por quê?
O dono do contrato pede pra mudar. Ele que decide. Quando quer. Assim, a firma não precisa pagar mais os nossos direitos.
Vendedor?
- Já fui.
E hoje?
- Continuo trabalhando com vendas, mas sou um cooperado.
Isso é bom?
- Não tenho mais férias, décimo terceiro, adicional noturno. Dizem que eu agora sou patrão.
Pedreiro?
- Eu era pedreiro e o trabalho continua o mesmo, mas agora eu sou um terceirizado temporário.
Está trabalhando?
- Sim.
Que bom. Conseguiu fácil?
- Não. Depois de dois anos sem trabalhar.
Como conseguiu?
- Eu já estava desesperada. Uma amiga me convidou para a igreja dela. Disse que o pastor conseguia umas vagas. Deu certo.
- Dei sorte. Uma amiga me convidou para uma balada. Um cara quis ficar comigo e acabou me arranjando esse contrato.
- Um compadre pediu a um deputado e ele indicou. Ele disse ao deputado que eu tenho 8 votos na família.
Tinha vaga sobrando?
- O deputado disse que era garantido. O dono da firma deve favores a ele. Sempre manda alguém embora pra botar quem ele indica no lugar.
- O pastor tem influência na firma. É comum indicar pra lá.
- O cara é chegado de um diretor. Disse que me conseguia nem que se tivesse de dispensar alguém.
Está trabalhando?
- Não.
Perdeu o emprego?
- Sim.
O que houve?
- Ele se agradou de mim. Eu não quis. Ele insistiu. Eu resisti, né?
- Eu trabalhava no caixa. Ela descobriu que eu sabia fazer penteados bonitos. Não aceitei fazer os cabelos das filhas da chefe no casamento de uma delas. Pronto...
- Um parente do chefe quis minha vaga para colocar um sobrinho.
- O chefe estava desviando gêneros da cozinha. Eu descobri. Ele pediu para me substituir, dizendo que era eu.
Fernando Tolentino