terça-feira, 10 de maio de 2016

O BRASIL NÃO MERECIA ISSO!



Em menos de uma dúzia e meia de horas, três anulações. A decisão do presidente interino da Câmara, ao anular as sessões da Casa que inauguraram oficialmente o golpe, a ainda mais surpreendente revogação dessa mesma decisão, na calada da noite, ou a sua própria anulação?
Quem mesmo tinha razão? Dilma, ao pedir cautela aos manifestantes que comemoravam, em pleno Palácio? Renan, ao classificar a sua atitude como “brincadeira”? Cunha, ao qualificá-lo como um “Severino melhorado” e prevenir de que não aguentaria 15 dias na direção da Câmara?
Todos. Só eu não tinha razão, ao entrar no perfil de Facebook (e até no do Whatsapp) desse homem para elogiá-lo, destacando a sua coragem.
Acordado em plena madrugada por um disparo de zap com o compartilhamento da notícia, minha primeira reação foi não acreditar. Corri para o computador e constatei textos muito semelhantes com a informação em três deles: Uol, G1 e Expresso/Época. Outros jornalões ainda não a haviam publicado. Todos eles com cópia fotográfica da lacônica decisão e já a comunicação dela ao mesmo presidente do Senado que o destratara horas antes.
No meu perfil de feice, registrei:
O que dizer?
Que eu tenho pena desse homem?
Sei que tenho pena do Brasil. Mas como ter pena de algo de que faço parte?!
Resolvi escrever porque conciliar o sono era impossível. O jeito era extravasar e pensar junto com os leitores deste blog.
Como visto, não pude deixar de imaginar a que ponto terão supliciado esse homem para que ele tenha chegado ao ponto de desistir de si mesmo. Está certo que escolheu aquela hora em que, além de seus possíveis algozes, só estão acordados as corujas e os pobres profissionais de imprensa, que são compelidos a esse tipo de cobertura deprimente por suas necessidades de sobrevivência. Curiosamente, uma das matérias que acessei reivindica ter publicado os textos com exclusividade! Mais ou menos como aquelas exibições de cinema anunciadas como “inéditas” em sessões da tarde da TV. O repórter deve ter acreditado nisso por receber cópias que sequer tinham data. Aliás, uma delas não deixara sequer espaço para que a data venha a ser colocada manualmente antes de protocolada.
Não adianta. Ao enfrentar a claridade da manhã de hoje, o interino terá que assumir o seu gesto noturno. Como autor dessa insólita “desdecisão” terá que subir até a mesa da Câmara e encarar os demais deputados. E (pelo amor de Deus!) precisará em algum momento defrontar-se com os seus eleitores, os colegas de Universidade (lembrem que se trata de um professor universitário e até alegou ter sido duas vezes reitor!). Se tiver coragem, terá que entrar em casa e ouvir a compreensiva esposa determinar, entre dentes, aos filhos que não falem nesse assunto diante dele. Para sempre! Um assunto proibido, para que não seja corroída até a autoridade paterna. Afinal, ele ainda não tem idade para que os filhos, penalizados, a ela creditem certas atitudes, como devem estar fazendo os do bicudo jurista que, de par com a saliente advogada, submeteu-se aos tucanos ávidos de poder (e vingança) e subscreveu a peça que deu origem a toda essa destroça institucional.
Mas voltamos ao fim da meada. Ao Brasil. Um país que sinceramente tinha tudo para merecer o respeito internacional, como já vinha acontecendo. Estava à beira de conquistar um lugar no Conselho de Segurança da ONU e tinha a titularidade de instituições de primeira grandeza do mundo, como a OMC e a FAO. Tinha tudo para superar o seu tradicional apartheid social, o que também começava a se desenhar, o que levou, afinal de contas, ao mais terrível antagonismo político já vivido, a baba do ódio da alta classe média derramando-se pelas ruas.
Desenha-se mais um capítulo de uma História muito coerente com tudo o que se passa há séculos dentro da Casa Grande e não pode ser confessado para a senzala. As mucamas são proibidas de “vazar” as imundícies que ali ocorre. Mas as mucamas são tal e qual esses amarelos membros da alta classe média atual, que insistem em se confundir com os senhores, tentando convencer a si mesmos de que são quase iguais, fingindo não verem os risos de zombaria dos verdadeiros beneficiários dessa repudiante relação entre classes.
Avenida 23 de maio, São Paulo, nesta madrugada
O QUE VEM LÁ?
O povo do Brasil, o que trabalha, muito provavelmente será vítima, linha por linha, das medidas prometidas na Ponte para o Futuro, a infausta compilação das promessas íntimas do provável período que os verdadeiros brasileiros têm a temer.
Esse quase ainda desconhecido texto é aquilo de que costumo falar nas discussões de política quando digo que é uma meia verdade a de que os políticos mentem. Isso é uma obviedade quando se fala da relação da maioria deles com os seus eleitores. Mas, ao menos em nossa lamentável realidade, entendem esses políticos que são esses os que votam, mas não os que elegem. Quem garante as suas eleições são os financiadores de campanha e é claro que, para esses, eles não mentem. Afinal, ninguém compra produtos desconhecidos.
A Ponte para o Futuro é nada mais nada menos que o alinhamento daquilo que põe a Fiesp, a Firjan e outros representantes do grande capital brasileiro (para não falar daí pra cima) na retaguarda de um golpe que significa simplesmente anular a eleição de 2014 e fazer dos derrotados vencedores.
Há pouco em Vitória, em frente ao Palácio do Governo
Alguns chamam de réquiem, “composição sobre o texto litúrgico da missa dos mortos cujo introito começa com as palavras latinas requiem aeternam ('repouso eterno').” No interior do Nordeste, a expressão mais apropriada é “incelença”, o canto com que os parentes e amigos homenageiam os falecidos. À medida que a Ponte para o Futuro chega ao conhecimento público, o golpe perde adeptos e não falta quem tire e guarde a camisa da corrupta CBF. Amarelo fica só o sorriso por ter marchado junto com os abonados e os patrões. Mas, na sociedade midiática, é muito pequena a velocidade da popularização dos inevitáveis efeitos do golpe.
Se o golpe efetivamente se configurar, como agora tudo leva a crer, essas medidas serão inicialmente edulcoradas, até anunciadas como benéficas, a maior parte creditada pela grande mídia à necessidade de “salvar o País da crise criada pelo PT”. Talvez a recorrente credulidade dos brasileiros chegue até outubro, quando se disputam eleições municipais. Aos poucos, a realidade se descortinará para aposentados, assalariados, empregados domésticos, desempregos, pequenos empresários. Coitados! Especialmente os do Sul, do Sudeste e do Centro-Oeste, pois intuitivamente a maior parte dos nordestinos já despertou para os riscos, mesmo sem conhecerem o fatídico documento. Com imensos prejuízos para o patrimônio público nacional e lamentáveis perdas sociais, teremos voltado aos estertores do fim da ditadura ou a agonia dos últimos anos do governo de Fernando Henrique.
Definitivamente, o Brasil não merecia isso.
Fernando Tolentino

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