quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

DISCURSO DE DESPEDIDA NA IMPRENSA NACIONAL



(Na transmissão do cargo de Diretor-Geral)
SENHORA SECRETÁRIA EXECUTIVA DA CASA CIVIL DRA. EVA CHIAVON,
SENHOR DIRETOR-GERAL DA IMPRENSA NACIONAL DR. JOSÉ VIVALDO DE MENDONÇA FILHO,
Este tempo não me foi concedido para que apresentasse um relatório.
Uma edição do Nosso Jornal, o informativo que circula na Casa, foi preparado pelas diversas áreas com as principais ações destes anos e poderá ajudar o Dr. Vivaldo no início do seu trabalho. Infelizmente, vou deixar justamente para o Senhor a decisão se aquele conteúdo será publicado (já está em circulação), já que a edição não foi concluída no prazo necessário. O Senhor também terá valioso subsídio com o Planejamento Estratégico que acabamos de concluir e está em condições de tornar-se também uma publicação. Além disso, já lhe disse que na exata medida – e não menos – do que o Dr. Vivaldo desejar, estarei à sua disposição para contribuir. Terá a informação minuciosa do que foi feito, do que se deixou de fazer e, na medida de nossa avaliação, do porquê.
As contas que me disponho a prestar hoje são outras.
Ao convidá-lo para este evento, ouvi do Dr. Swedenberg Barbosa, o Berge, avaliando minha permanência no cargo por 12 anos e 10 meses, que ele e o Ministro José Dirceu não haviam feito uma má escolha. Ouvi o mesmo do ex-deputado Sigmaringa Seixas, que julgo ter participado daquela conspiração. Eu trazia formações em Comunicação Social e em Administração Pública. Especializei-me e lecionei em ambas. Era, então, consultor legislativo, concursado, da Câmara Legislativa, cargo em que me aposentei. Entre outras muitas experiências, dirigira o Instituto de Urbanismo e Administração Municipal na nossa Bahia. Em Brasília, fui diretor administrativo e financeiro da Novacap, o primeiro diretor legislativo da Câmara Legislativa e chefe de sua Assessoria Legislativa.
Mas, se fosse o currículo a razão da escolha, seria talvez mais fácil licitar uma empresa para dirigir a Instituição, numa espécie de contrato de gestão. Vim por ter condições de fazer política. O que se impunha era liderança, o que se requeria naquele momento era a capacidade de fazer a Imprensa Nacional andar, avançar, reassumir a sua credibilidade. E, para isso, era indispensável que a revolta dos seus servidores se transformasse em vontade de construir.
Não seria fácil. Precisava pacificar o grupo, justamente exaltado por ver seus direitos negados, mesmo quando reconhecidos judicialmente. Várias centenas de servidores haviam sido redistribuídos arbitrariamente no processo de desmonte e a enxurrada levou inclusive pessoal talentoso e preparado. Durante um bom tempo fui obrigado a conviver com uma equipe herdada da administração anterior, gente estigmatizada pelos servidores por tê-los afrontado. A maior parte do efetivo da Casa que integrava a direção preferiu sair para outros órgãos. Teria que identificar gente preparada que havia sido alijada de cargos de direção e garimpar quem pudesse se revelar como gestor ou assessor.
Mas havia a vontade de recuperar um Órgão que saíra de uma verdadeira demolição. E que estava preparado para ter as portas fechadas. Por isso, não havia verba para plano de saúde ou manutenção da Creche. Por isso, havia um gabinete do Diretor-Geral no anexo do Palácio do Planalto, onde já fora acomodado o que sobraria da Imprensa Nacional: o grupo responsável pela edição e disponibilização eletrônica e uma base de tecnologia da informação. Por isso, inexistiam contratos de manutenção do prédio ou de equipamentos. Por isso, o projeto de lei que determinava a publicação de balanços das grandes empresas limitadas já não incluía o Diário Oficial da União. Por isso, muito mais...
Se a eleição de 2002 mantivesse o neoliberalismo, seria extinta a Instituição que surgiu para superar três séculos de silêncio, quando o restante da América já possuía gráficas e produzia jornais.
O resultado daquela eleição fez renascer das ruínas a Imprensa Nacional. Sem sua sede, sem a gráfica, sem a sua biblioteca, sem quase metade dos seus servidores, foi preciso rejuntar as pedras.
Agradeço por essa obra aos servidores que resolveram se ombrear e retomar a caminhada. Nada aqui foi feito que não representasse uma construção coletiva. Foi das cabeças desses servidores que surgiram inúmeras soluções criativas. Foram suas mãos que superaram a vergonhosa situação de 2002, em que mais da metade das edições do Diário Oficial circulou com considerável atraso. Um número impressionante após o meio dia.
Não foram poucos os que lutaram e não lutaram pouco. Até porque o Brasil, considerado isoladamente, vivia então uma crise econômica de proporções pelo menos semelhantes à de hoje. Quebrara três vezes recentemente e tivera que recorrer ao FMI, de ingrata memória.
Naquela luta, tivemos a compreensão e a solidariedade de muitos trabalhadores de contratos terceirizados. Ao chegarmos, mais de uma centena estava há três meses sem salário, tíquete e vale-transporte. Sabem que jamais deixaram de ter a solidariedade da Administração e aprenderam a acreditar.
Fui buscar no Rio de Janeiro o que podia nos dar um milhar e meio de aposentados e pensionistas, que lutavam judicialmente, como os servidores ativos, para receberem o que lhes fora subtraído por mera portaria. Eles nos deram energia! Seus olhos brilhavam de esperança ao ver que, no novo governo, eram procurados e ouvidos.
Os passivos com liminar concedida foram pagos. Cerca de um ano depois, a partir de mesa de negociação, surgiu gratificação específica para a Imprensa Nacional.
Aos poucos, o Órgão foi reconquistando suas atribuições e, logo, a credibilidade.
Ao comemorarmos nosso bicentenário, já quase se percebia alguma euforia. Estava abolido o risco de extinção. Moeda comemorativa, selo comemorativo, duas sessões solenes de órgãos legislativos, um concerto com Artur Moreira Lima nos jardins do Órgão, várias homenagens no Rio de Janeiro, debates mensais sobre comunicação no nosso Auditório, até participação no desfile de 7 de setembro e na Mocidade Independente de Padre Miguel. Como se não faltasse mais nada, uma bênção enviada pelo próprio Papa. Tudo evidenciava a perenização da Imprensa Nacional.
Fizemos política, Senhora Secretária. A Imprensa Nacional viu o que é uma administração republicana, sem que a partidarização interferisse no trabalho. Aqui não se dirá, por exemplo, que cargos foram distribuídos para atender conveniências partidárias. Aqui, não se usava as estruturas públicas para benefícios pessoais. Não há notícia de se evitar ouvir fornecedores, prestadores de serviço ou empresários interessados em relacionar-se com a Imprensa Nacional. Mas nenhum foi recebido no meu gabinete sem que houvesse outros servidores como ouvintes. Houve quem falasse em perseguição. O discurso desmentiu-se a si mesmo.
Jamais se negou diálogo com a representação dos servidores, fosse a Associação ou o Sindicato. Enquanto houve coincidência de objetivos institucionais, a marcha foi conjunta.
Infelizmente, a Imprensa Nacional nem sempre foi ouvida para superar as suas maiores carências: a sua reestruturação administrativa e a reposição da força de trabalho.
Paradoxalmente, quando isso mais avançou, desde a segunda metade do primeiro governo da presidenta Dilma Rousseff, os servidores não conseguiram perceber esse progresso. Nossa Administração criou três grupos de trabalho, todos com a participação de um representante dos servidores, e a Secretaria Executiva colocou à disposição para contribuir no trabalho um Assessor Especial, o Dr. Adriano Weber. O grupo que propunha que o Diário Oficial da União circulando em meio exclusivamente eletrônico deu o primeiro salto. Tivemos, em 2014, em pleno recrudescimento da crise fiscal, o segundo maior investimento nesses quase treze anos: R$ 7,4 milhões. Pode-se dizer que já dá pra virar a chave.
As negociações com o Ministério do Planejamento levaram a que todas as condições técnicas estejam criadas para que se aprove a realização do concurso público. Não existe obstáculo em nível técnico para avançar a reestruturação administrativa. É apenas uma questão de conveniência orçamentária em uma fase de dificuldades econômicas conhecidas de todos.
Costumo dizer aos que conversam comigo sobre isso que há grande diferença entre um casal que está no altar esperando o sacramento e o dia em que estavam apenas se paquerando. Se o casamento ainda não foi consumado, não dá pra dizer que nada foi feito. Mesmo se um dos nubentes surpreender e disser um estrondoso NÃO, terá se frustrado um projeto de vida, mas muita coisa terá ocorrido.
Onde se apostava menos fichas, nas propostas do Plano de Negócios para a Área Gráfica, transpusemos o umbral da Presidência da República, em que todos os órgãos já têm histórico de atendimento, e se faz uma pequena fila de outros órgãos.
Por tudo isso, Dr. Vivaldo, saio da Imprensa Nacional deixando um legado de trabalho com compromisso, vontade, determinação, entusiasmo que chegaram a empolgar muita gente. A equipe que me acompanhou até aqui é um exemplo disso. Há nesse grupo pessoas que, além de lealdade inquestionável, têm competência testada em suas áreas e um absoluto comprometimento com o seu trabalho e a Imprensa Nacional. Sou eternamente grato a cada um deles.
Pois tenho certeza, Dr. Vivaldo, que esse legado está em ótimas mãos com a sua chegada.
Quando estamos fechando esse período, Senhora Secretária, posso dizer sem medo de errar: cada trabalhador da Imprensa Nacional tem consciência de que a Administração foi republicana, mas o modo de administrar, inclusive por isso, foi petista. Posso garantir que fui militante enquanto gestor público por demonstrar que, em um cargo de direção, o militante petista respeita a todos, dialoga com todos, prestigia as suas representações e não admite transgressão de direitos de trabalhadores. Por evidenciar que, à frente de um computador, diante de uma impressora, no volante de um veículo, em uma escrivaninha, no cabo de uma vassoura, em uma sala de reuniões ou carregando uma bandeja, existe um trabalhador.
(Bandeira, símbolo da perenidade, e placa oferecida pelos trabalhadores terceirizados)
Este trabalhador tem direitos e eles precisam ser respeitados. Tem voz e precisa ser ouvido.
Além disso, esse colega de trabalho tem humanidade e é preciso ser olhado com ternura, ouvir um bom dia, cumprimentado com os olhos nos olhos, um abraço e um aperto de mão.
Por isso, deixo também um legado pessoal. Agradeço muito por, há quase treze anos, me ter sido dada essa oportunidade. A de conquistar uma multidão de amigos. Tenho dito a eles que circulou na última quinta-feira uma portaria em que o Ministro Jaques Wagner determinou: “Fica exonerado o Senhor e fica nomeado o você”.
Quero concluir dizendo duas coisas.
A primeira, eu deixo Clarice Lispector dizer por mim:
 " O caminho que eu escolhi é o do amor. Não importam as dores, as angústias, nem as decepções que vou ter que encarar. Escolhi ser verdadeira. No meu caminho, o abraço é apertado, o aperto de mão é sincero. Por isso, não estranhe a minha maneira de sorrir e de desejar tanto bem. É assim que eu enxergo a vida e é assim que eu acredito que vale a pena viver."
E a segunda? As ruas precisam de mim para impedir o retrocesso. Todos estão convidados a me acompanhar. Até porque, em um governo sob a liderança do PT, a Imprensa Nacional não morrerá. Por isso, quero deixar um símbolo nas mãos dos responsáveis por essa perenidade.
Muito obrigado.
Fernando Tolentino

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

É PRECISO TIRAR LOGO ESSA MULHER!




Sabe aquele carro popular, novinho em folha, ostentando no vidro traseiro um adesivo de gratidão a Jesus? Ou mesmo outros veículos, conduzidos por devotados pastores evangélicos em que adesivos afirmam a condição deles: “A serviço de Jesus”.
Fico imaginando os seus muitas vezes humildes condutores, inquestionavelmente “tementes à palavra”, sendo subitamente surpreendidos pela notícia de que o “irmão” Eduardo Cunha, eleito pela comunidade evangélica carioca, pilota nada menos que um Porsche Cayenne S, avaliado em R$ 429,4 mil, debochadamente registrado em uma de suas empresas designada como Jesus.com!
Algum iconoclasta, irreverente, já poderia perguntar se não seria mais confortável a travessia do deserto a bordo desse veículo.
Cláudia Cordeiro Cruz, ex-apresentadora da Globo e esposa do deputado, tem à disposição um carro com um tiquinho menos de ostentação: outro Porsche Cayenne, ano 2006, avaliado em R$ 122,6 mil. Mas pode variar, pois a família tem ainda uma BMW e cinco SUVs. Dificilmente devem usar o Toyota Corolla, que vale R$ 60 mil e talvez, zombeteiramente, tenha aquele adesivo no vidro.
Esse fulano, em março, foi à CPI da Petrobrás e declarou, com todas as letras que o alfabeto oferece, que sua única conta bancária é a declarada oficialmente e, apesar de já haver denúncias em delações premiadas, jamais ter recebido qualquer recurso irregular. Pra não ficar fora da moda, até culpou Dilma e o PT por surgirem as denúncias, como não fosse o PT o alvo ao menos dos noticiários sobre as delações.
Agora, Procuradoria Geral da Suíça desmente a desfaçatez de Cunha e são exibidas todas as provas (se é que não surgirão outras) das quatro contas que mantém, de seus valores, de despesas privadas efetuadas por meio delas. A Procuradoria Geral da República confirma oficialmente as informações.
A desmoralização é tanta que o deputado caiu em desgraça diante da maior parte da grande mídia, que já corre atrás de detalhes capazes de jogar no ralo o que resta de sua combalida reputação (veja http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2015/10/documentos-contradizem-eduardo-cunha-sobre-contas-na-suica.html), só sustentada pelas revistas semanais.
Não importa se pipocam as denúncias e as confirmações delas, atingindo o titular de um Poder, diretamente situado na linha sucessória da Presidência da República. O País parece dividido, pintados para a guerra os que, desde horas após a confirmação da vitória eleitoral de Presidenta Dilma Rousseff, fazem questão de fechar os olhos a qualquer evidência de que todas as impurezas não estejam concentradas no Palácio do Planalto. Aríetes empunhados, ameaçam arrombar a porta justamente de quem não foi alvo de qualquer denúncia.
Articuladamente com a grande mídia, um grupo constituído em torno de siglas derrotadas em 2015 (PSDB, DEM, PPS, SDD) mira o horizonte à cata de chances de justifiquem a deposição de Dilma.
Teria algum alento em decisões do TSE? E nisso insistem desde momentos após o desligamento das urnas. Haveria alguma nódoa em investigações da Lava-Jato? Seriam bafejados por conclusões do TCU, uma corte em que costumam se recolher parlamentares já sem ímpeto para as refregas eleitorais?
Para os dois regentes do grupo – o ex-candidato (ex?) Aécio Neves e o deputado Cunha, titular de uma das batutas até o início desta semana – não tem a menor importância o nome do pretexto. Interessa apenas golpear a Presidenta eleita. É preciso tirar logo essa mulher.
Parcelas consideráveis de classe média e até pessoas humildes são manipuladas nessa direção, buscando-se acicatar a sua insatisfação com o momento de crise econômica, como se isso ou as suas consequências pusessem em questão a legitimidade de um mandato presidencial.
E por que mesmo é preciso tirar logo essa mulher?
ESTÃO COM MEDO DE QUÊ?
Esta é a única certeza para a nata da corrupção brasileira. Ops! Nata, não. Crosta.
A convicção já existia no mandato anterior, mas se firmou ainda mais no discurso de Dilma imediatamente após a sua vitória de 2015. Ao advertir que não sobraria pedra sobre pedra (http://blogdetolentino.blogspot.com.br/2014/12/bem-que-dilma-avisou-nao-sobrara-pedra.html), Dilma deixou claro que as portas continuavam escancaradas às investigações, dispondo a PGR e a Polícia Federal de total apoio, indiferentemente de quem pudesse ser alcançado por elas.
Para isso, os 12 anos anteriores haviam preparado os instrumentos de Estado. Nem bem assumiu, o então presidente Lula estruturou a Controladoria Geral da União, inclusive com nível ministerial. Em 2006, criou o Portal da Transparência, abrindo à sociedade as informações disponíveis sobre a Administração Pública Federal. Desde o início de seu governo, criou a tradição de escolha do primeiro colocado na lista preparada pelos procuradores da República para a designação do Procurador Geral, uma demonstração concreta do respeito à sua independência. Concursos e investimentos somaram-se à preservação de sua autonomia para que a Polícia Federal pudesse efetivamente atuar em favor de um Estado republicano. Já no primeiro governo de Dilma, duas leis aprofundaram essa verdadeira revolução. A Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 2011), abrindo ao cidadão a possibilidade de questionar sobre dados e informações à disposição do Estado, e a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 2013), que inovava ao propiciar que corruptores também pudessem ser presos, justamente o que está chamando a atenção na Operação Lava-Jato.
É aquele compromisso de Dilma que incomoda (e preocupa) tanta gente. No que isso vai dar? Será mesmo a moralização levada às últimas consequências?
Dê só uma olhada em algumas manchetes ligadas a várias das figuras que se articulam freneticamente no movimento de que é preciso tirar logo essa mulher.
Paulinho da Força (SDD):
João Agripino (DEM)
Ronaldo Caiado (DEM)
Aécio, Serra e Aloísio Nunes Ferreira (PSDB):
Cássio Cunha Lima(PSDB):
E o outro Cunha? Não o Cunha Lima nem o Cunha Neves, mas o Eduardo. Nem é bom falar...
Agora, é só você responder pra você mesmo. Dilma já deixou claro que não vai livrar a cara de ninguém e as estruturas de investigação têm o seu apoio. Com toda a cobertura para a Procuradoria Geral da República, a Polícia Federal procurando e encontrando provas, o céu ameaçando desabar sobre as suas cabeças, essa gente tem ou não tem lá suas razões quando dizem que é preciso tirar logo essa mulher?
Mas pense só um pouquinho: você quer que tudo se esclareça e todos os corruptos sejam punidos ou está com saudade daquele tempo em que ninguém sequer sabia dos mal feitos dessa gente e, quando sabia, ficava tudo por isso mesmo?
Fernando Tolentino


domingo, 4 de outubro de 2015

ISSO NÃO PRECISAVA ACONTECER

Reuni toda a coragem que consegui e fui ao local do acidente. Reúno mais ainda agora para este relato.
Esplanada dos Ministérios, pouco depois da Estação Rodoviária. Uma avenida larga, com seis pistas, trecho levemente ascendente e requerendo baixa velocidade, até por estar imediatamente antes do acesso ao estacionamento do Conjunto Nacional Brasília.
Os ônibus de centenas de linhas que saem da Rodoviária avançam pelas pistas da esquerda ou fazem o contorno, também à esquerda, para seguir em direção à Asa Sul. A travessia é feita somente pelos que precisam usar a W 3 Norte, inclusive por existir um ponto em frente ao Setor Hoteleiro Norte em que podem precisar parar, após aquele viaduto visível na foto.
Vi ônibus tentando fazer essa manobra, os cobradores usando o braço para pedir a preferência aos carros menores.
Não queria julgar ninguém, mas sentir e constatar o que pode ter ocorrido.
Os ônibus podem, sim, aguardar o fechamento da sinaleira para sair da Rodoviária com a avenida inteiramente livre e atravessar as pistas.
Mas seria esperar muito? Esperar dos motoristas de ônibus o que os de veículos de passageiros não se dispõem a ter?
O quê? A compreensão de que o trânsito precisa ser solidário.
A causa real é uma só. Ao motorista jamais ocorre que, ao seu gesto, sucede o risco. E o risco pode ser até de morte.
Cada condutor vê o trânsito como uma disputa e, portanto, um processo em que precisa se dar bem. Vencer. Superar os outros.
Por isso, carros maiores, mais velozes, mais potentes. E mais seguros, para os seus próprios passageiros, é claro. Mais bonitos e caros, também, pois a competição não é apenas de disputa de espaço no asfalto, como igualmente de status.
Por incrível que pareça, não é apenas uma disputa entre condutores de máquinas, mas não raro esses fazem a disputa de espaços também com os pedestres.
UM PAÍS QUE MORRE AOS POUCOS
Por isso, o Brasil perdeu 42.266 vidas por causa de acidentes de trânsito em 2013. E (pasmem!) comemorou que o número fosse somente este!!! É que tinha havido uma redução com relação às 44.812 famílias que sofreram a mesma dor insuportável em 2012 e as 43.256 de 2011.
Isso mesmo, 130.334 mortes em apenas três anos. E ainda é motivo de “comemoração”.
É mais que as populações do Gama, Santa Maria, Guará, São Sebastião, Sobradinho ou 18 outras regiões administrativas do Distrito Federal. Mais que o dobro dos residentes no Cruzeiro, onde eu moro.
Eu estou falando de mortes. Nem vou contabilizar os números relativos à invalidez permanente, as múltiplas sequelas, o volume de recursos públicos consumidos, retirados da atenção básica à saúde.
O mais arrasador é que, se cada um de nós refletir durante não mais que dois minutos, vai chegar à óbvia conclusão de que tanta dor poderia ter sido simplesmente evitada. Parte pequena por meio de mais cuidados com os veículos ou com as estradas e a sinalização.
Quase todas as perdas seriam evitadas com a mera mudança de atitude dos condutores de veículos.
Chegamos ao terrível acidente de Rodrigo.
Jamais ocorre ao motorista o risco que o outro corre, seja um pedestre, um animal, um ciclista, um motociclista ou mesmo o condutor de um veículo menor ou menos seguro. A conclusão é fácil: cabe ao outro se proteger. Como Rodrigo tentou. Ao ser fechado na quinta ou na sexta faixa da travessia do ônibus, ele se precipitou para fora da pista, atingindo uma placa e uma árvore.
Há relatos de que a alegação do motorista do ônibus foi de que não o viu. Mas precisava ver. Precisava mais: evitar que ocorresse uma situação em que encontrasse outro veículo em seu caminho. Ou seja, deveria evitar a situação de risco.
Não quero incriminá-lo. Quero a alma desse motorista em paz, até porque ele continua com a arma na mão.
EM NOSSO MEIO HABITAM ANJOS
Eu quero para aquele motorista a alma da jovem Taís, em que habita um anjo. Da sua janela, no ônibus, viu o acidente. Fez que o motorista parasse. Mudou o rumo do seu dia: desceu, buscou acudir Rodrigo, avisou a mãe, recolheu os seus pertences e o acompanhou ao hospital. Depois que já não havia nada a fazer, chorou discretamente ao lado da família durante algumas horas e saiu, enxugando as suas lágrimas.
Peço a reflexão de cada um. Ao ver uma moto, o que lhe passa na cabeça:
“A moto é frágil” ou a “a moto é ágil”?
Se a imagina como “frágil”, é muito provável que você seja um condutor solidário, que usa a sua destreza para evitar um sinistro. Se lhe passa somente a ideia de que é “ágil”, mais ágil que você consegue ser, em um trânsito às vezes demasiadamente moroso, a muitos é possível que ocorra uma atitude de despeito, não raro traduzida na enorme agressividade que sofrem os motociclistas.
Não estranhe. Passa na cabeça de muitos que é preciso vingar-se daquela agilidade. Nem lembram que, caso a compra da moto tenha sido uma opção de consumo – e não uma decorrência de necessidade econômica – o motociclista privilegiou a agilidade, mas abriu mão do conforto e da segurança de quem está acomodado em um automóvel. Submete-se a condições adversas de clima, muitas vezes tendo que se deter para proteger-se da chuva.
Conheço essa atitude agressiva de motoristas. Eu mesmo já a sofri quando a moto era o meu meio de transporte e eu jamais a usava para afrontar nenhum motorista. Nem mesmo o seu espírito competitivo. Eu me percebia frágil e isso já seria o suficiente, mesmo que não visse o trânsito pelo viés da solidariedade.
Saiba que os motociclistas mortos em acidentes foram 11.268 em 2011, um crescimento de 263,5% com relação a 2001, dez anos antes.
Talvez nenhuma dessas famílias, nenhum amigo, precisasse realmente ter chorado ou viver, depois, tudo o que significa a falta de alguém querido e muitas vezes indispensável à sua sobrevivência.
Sei que Rodrigo, com seus 20 anos, usava a sua moto (há apenas poucos meses) com perfeita consciência do risco que representava, temendo-o e respeitando-o. Não há como trazê-lo de volta.
Que pelo menos fosse a última vítima.
Eu acho que basta. E você?
Fernando Tolentino
As fotos 1 e 3 são da fotógrafa Vanessa Ottoni, mãe de Rodrigo