domingo, 15 de junho de 2014

OS XINGAMENTOS QUE TOMAMOS PARA NÓS




Ainda sobre a baixaria elitista e branca da ala VIP na abertura da Copa do Mundo.
Não poderia responder imediatamente. Precisa ver a capa do semanário Veja, as manchetes principais das edições do Correio Braziliense, do Globo, da Folha e do Estado de São Paulo.
Conhecer as reações dos candidatos adversários, os que veem uma competição futebolística como mera arena eleitoral. Ver o que diria o colunista Merval.
Precisava saber de vozes discordantes, ao menos naquele episódio, como Boris Casoy, a quem não se pode cometer o desatino de identificar como simpatizante da presidenta Dilma. Ou as de José Trajano, Arnaldo Ribeiro e Juca Kfoury, que mostrou ser contrária a reação dos trabalhadores da obra do estádio.
Sim, precisava confirmar em que espaços prevalem os interesses aquele grupelho.
Não poderia deixar de ler o que disseram Chico Buarque e Hildegard Angel ou Jean Wyllys.
Quem comemoraria a gritaria chula, tal como se não tivesse acesso à escola, tendo recebido os seus princípios morais nas áreas mais despudoradas das cidades?
Aliás, o jornalista Paulo Passos, do UOL, denunciou terem irrompido os xingamentos na ala VIP do estádio. E mais: surgiram no exato momento em que estava programada uma homenagem aos operários que construíram o estádio. É sintomático. Na visão deles, como querem homenagear a senzala em um país que pertence à Casa Grande? Esta deve ter sido a revolta desses estreantes em “manifestações”.
O baixo calão dos frequentadores de salões denunciou um país dividido. Dividido entre segmentos socialmente extremos.
O poeta e agitador cultural Sérgio Vaz, um dos nomes mais respeitados da periferia de São Paulo, postou no tuíter: “Se a @dilmabr vier aqui na periferia de São Paulo nós vamos enchê-la de beijos e abraços”.

Rosa branca oferecida por Lula a Dilma em nosso nome no dia seguinte ao jogo


Ao contrário do que desejava a “elite branca” (na definição do ex-governador paulista Cláudio Lembo, agora repetida por Wyllys), os estádios ficaram prontos, os aeroportos foram elogiados por turistas internacionais, não houve tumultos incontornáveis para se chegar aos estádios, a rede hoteleira atendeu a demanda da Copa e foi cabalmente desmentido o #Não vai ter Copa. As próprias manifestações foram praticamente inexpressivas, ridículas diante das de junho de 2013. Só ganharam vulto em forçadas matérias jornalísticas, ainda assim sem convencer leitores e telespectadores.
Péssimos estudantes de História, piores testemunhas da vida política, essa elite não conseguiu fazer a leitura do que foi a utilização de eventos como as participações nas Copas do Mundo pelos regimes militares do Brasil e do Chile, ou o fato de sediá-la, na Argentina. Fatos como registrados no filme “Pra frente Brasil”, de Roberto Farias, têm sentido diverso. A vitória do campo não traria apoio para o regime; se muito a alienação popular com relação ao caráter ditatorial do governo. Foi a aposta do general Garrastazu, assim como dos vizinhos generais Pinochet e Videla. Aliás, todos figuras simpáticas para essa mesma elite brasileira.
Sei, de sentir na pele, o que foi a censura popular ao simples fato de que nós, militantes de esquerda, pretendíamos atrair o povo para não levantar, nos estádios, quando executado o Hino Nacional.
Torcer contra a Seleção, nem pensar! Diz muito bem a presidenta Dilma, falando do que sucedia dentro dos presídios políticos. Nem mesmo com a intervenção de Garrastazu, impondo o corte do técnico do escrete, João Saldanha, às vésperas da Copa do Mundo. Só para recordar, Saldanha (jornalista esportivo e sabidamente militante do Partido Comunista) reagiu mal quando o ditador alegou que Dario deveria ter sido convocado. A imprensa, claro, pressionou o técnico e ele, reconhecidamente irreverente, respondeu que não lhe fora pedida a opinião quando o presidente militar escolheu os seus ministros. Saldanha foi liminarmente substituído por Zagalo.
A grande festa de 1970, quando o Brasil conquistou o título pela terceira vez, teve o aplauso dos ricos, irmanando a classe média e os setores populares em um grande abraço nacional. Não era possível distinguir entusiastas da ditadura ou seus críticos e mesmo militantes de esquerda, alguns até clandestinos.
A vaia chula foi o último grito agônico da “elite branca” e seus porta-vozes. Claro que nem tudo ficou absolutamente perfeito. Tanto que uma aranha virou manchete de jornais, ao insinuar-se em um hotel de certa seleção estrangeira, aterrorizando um dos atletas!
Não conseguindo assim destruir a imagem nacional diante do mundo, essa gente decidiu-se por fixar a impressão de que somos, de todos, o povo mais grosseiro, o mais deseducado, o menos cívico e hospitaleiro. Muito mais simbólico e elegante foi o craque chileno Carlos Caszely, em 1974, negando ao ditador Pinhochet um mero aperto de mão na despedida da representação do Chile no Mundial da Alemanha.
Pois nem essa malcriação dos endinheirados será fixada entre os turistas que vieram para a Copa. Os brasileiros lhes dão provas contrárias de simpatia, receptividade, educação e maturidade. Como a do taxista Adilson Luiz da Cruz, de São Paulo. Não foi possível ele realizar o sonho de entrar no estádio para ver a seleção brasileira. Mas não teve dúvida de devolver aos torcedores mexicanos os 40 ingressos que haviam deixado em seu carro. Esse é o verdadeiro cidadão brasileiro.
O Brasil espera que os deselegantes torcedores VIP de São Paulo tenham sido emudecidos pela censura pública que lhes foi imposta e muito bem sintetizada nos versos de Camões (Os Lusíadas) que a presidenta Dilma Rousseff incorporou ao seu artigo A Seleção está acima da política: “Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta”.
Fernando Tolentino

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