quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O JUIZ BARBOSA E O CORONEL HERÁCLIO



Ninguém pode negar ao ministro Joaquim Barbosa o mérito do empenho pessoal na Ação Penal nº 470, processo que, pelas mãos da mídia, a população aprendeu a chamar de “mensalão”. Não falo de empenho no processo em si, no seu curso, em que atuou como relator e como presidente da Corte. Trata-se aqui de empenho mesmo na condenação dos réus, por sinal um desvelo que mereceu entusiástica admiração por parte da grande mídia e da direita brasileiras. A ponto de se questionar a legitimidade do julgamento, diante de provas não apreciadas, doutrinas ineditamente adotadas (que ninguém sabe se continuarão orientando julgamentos no País), práticas processuais igualmente inusitadas. Pra não falar na tentativa, que chegou a irritar alguns de seus pares, de impor a restrição de apreciação dos embargos infringentes.
Não ficou nisso o apetite com que se lançou sobre os condenados. A bem dizer, uma parte dos condenados, os provenientes do segmento empresarial e os petistas, pois os demais aguardam (alguns com confessada ansiedade) a ordem de prisão que não se sabe por que se delonga. Os que quis prender, o ministro tratou de tirar-lhes das cidades em que vivem. Se não condenados a regime fechado, procedeu à prisão sem a documentação requerida e, quando a despachou, o fez para um juiz substituto, por sinal em pleno gozo de férias.
No caso de José Genoíno, não lhe importou a condição de saído há pouco tempo de delicada cirurgia cardíaca e ainda inspirando cuidados especiais. Diante da repercussão negativa disso, conseguiu afinal a manifestação condizente com a sua postura em laudo emitido por um grupo de professores da UnB que já é identificado como francamente antipático à política do governo e do partido de Genoíno.
Instatisfeito com a altivez do juiz Ademar Silva de Vasconcelos, agiu para substituí-lo na Vara de Execuções Criminais do Distrito Federal, sequer se importando se estendia sua autoridade até onde não lhe cabia. Não é só isso. Não se importa com as óbvias avaliações do que decide e escolhe deixar os réus, entre eles destacadamente os petistas, nas mãos de um juiz que vem a ser filho de uma militante tucana no Distrito Federal e um ex-deputado distrital do PSDB, o advogado Raimundo Rodrigues, nem se incomodando que esse dirigente do partido adversário do PT foi protagonista de recente escândalo, o que lhe rendeu o afastamento do partido a que estava então filiado, o PSL.
A soberba com que adota, com exclusividade, decisões polêmicas e juridicamente no mínimo questionáveis tem lhe rendido alguns pitos, todos de fontes de que não se pode omitir a credibilidade: a Associação dos Magistrados do Brasil e uma manifestação aprovada pela unanimidade do Conselho Federal da OAB. Não bastante, pela voz de sua cofundadora, Kenarik Boujikian, a Associação Juízes para a Democracia declara considerar como crime o afastamento do magistrado Ademar Silva de Vasconcelos.
Não consigo deixar de registrar um paralelo, um caso envolvendo Heráclio Serafim dos Reis, considerado o último dos coronéis, que subitamente ganha atualidade. Jogariam no campinho de Limoeiro (Pernambuco), território que tinha como seus domínios (não “do fato”, domínio mesmo, coronelisticamente exercido), um grupo de jovens da cidade, identificado como selecionado de Limoeiro, e nada menos que o grandioso Sport do Recife. Partida pra juntar até aficionados de futebol de cidades vizinhas ou mesmo gente que iria apreciar apenas por justificada curiosidade.
O coronel não podia estar ausente. No mínimo para que sua imagem impusesse respeito e solenidade. Instalaram sua cadeira de balanço em uma das extremidades da linha central do que seria, se fosse, o gramado e ele, dali, testemunhou a partida com a sua proverbial pachorra. A partida se aproximava do final, o Sport vencendo pelo comedido placar de 1 a 0, quando um vigoroso defensor do time da casa, sem qualquer contemplação, pisou um dos seus atacantes que invadia a área. O juiz tomou a atitude que se imporia em qualquer outro evento do gênero. Interrompeu o lance e determinou que se cobrasse a penalidade máxima. Os atletas limoeirenses o cercaram para reclamar, mais como dever de ofício, pois ninguém duvidava da correção do árbitro.
Mas a confusão não deixou de ser notada pelo coronel Heráclio. O juiz foi convocado para se explicar. Disse que houve irregularidade no lance e a punição era um pênalti. Teve que esclarecer o que isso significava e, inclusive, como era feita a cobrança, só o cobrador e o goleiro na área e este não podia se mexer antes da cobrança. O coronel chegou à conclusão óbvia: “Nesse caso, nem tem chance para o rapaz (o goleiro de Limoeiro) e vai ser gol”. Diante da resposta do juiz de que era isso mesmo o que geralmente acontece, veio a solução: “Não vou tirar a sua autoridade; que se cobre o pênalti, mas cobra do lado de cá”, impondo a inversão da penalidade, o que naturalmente levou Limoeiro ao empate.
Há situações em que é assim. De que vale o direito? Importa mesmo é o propósito de quem decide.
Fernando Tolentino

domingo, 17 de novembro de 2013

UM PERFIL VIRTUOSO OU EXECRÁVEL?




O nosso personagem de hoje tem duas virtudes: a história pessoal de ascensão vitoriosa, de quem vem de um estrato muito humilde e, por seu esforço, chega ao ponto mais alto da magistratura; trouxe junto com ele a consciência de uma sociedade dividida racista, elitista, excludente.
Virtudes?!
Não necessariamente.
Costumo dizer que competência só é virtude no goleiro de nosso time. No time adversário é defeito.
Na verdade, a ascensão social ocorre com dois tipos de homens (ou mulheres), e é isso o que interessa.
A consciência da divisão de classes, da exclusão, muitas vezes por questões raciais, acompanha necessariamente o personagem que ascende socialmente. Não há como anular a própria experiência na história de um ser humano.
Mas há um tipo que, ao crescer socialmente, leva esse registro na mão justamente para dele fazer um compromisso, o de lutar contra essa realidade injusta, seja propugnando por uma nova ordem social, seja criando ferramentas para resgatar da situação de injustiça os que não têm como se erguer exclusivamente por seu esforço.
Citar Lula é praticamente uma obviedade, mas cada um de nós é capaz de encontrar figuras com esse perfil, na nossa proximidade ou incorporados a nomes conhecidos da política, de profissionais liberais, de gente que faz diferentes formas de voluntariado, da assistência social ou até de empresários.
Colocar-se a serviço de quê é uma escolha meramente pessoal e isso que pode ser assinalado como virtude ou revelador de um caráter infame, abominável.
Lula sempre fez questão de aproveitar o seu instante de poder para gestos assim. Nunca devemos deixar de citar como se encantou com o conselho de um amigo por tudo confiável, como possuidor do mesmo compromisso transformador. Lula pescou, entre os juristas de mais brilhante formação do País, alguém que rompesse a tradição excludente da Corte. Um negro e, mais, alguém que tivesse exatamente aquela trajetória de êxito pessoal, fruto do mais denodado esforço. Sua nomeação seria um recado à Nação. Os mais humildes podem confiar no futuro. Vale a pena lutar.
Os elitistas, os aristocratas, os que não aceitam alterações no tecido social com o resgate dos originalmente despossuídos reagiram agressivamente. Sim, pode dizer que são os mesmos que renegam o Mais Médico, por levar saúde aos que não têm como comprá-la; repudiam as cotas, vendo apenas que subtrairão as vagas que poderiam beneficiar seus filhos e neto nas carreiras universitárias; rejeitam a bolsa família, por promover uma redistribuição dos fundos públicos em favor de pessoas que mal tinham condições de assegurar a próxima refeição. Mas jamais gritaram contra subsídios para empresas falidas, renúncias tributárias para novos negócios (ainda que de grandes empresas), bolsas de formação em nível superior. Ou mesmo auxílios de alcance mais amplo, como o seguro desemprego ou o vale-transporte. Esses estimulam o consumo urbano e retorna para as elites.
Não se pode, portanto, dizer que Joaquim Barbosa foi recebido de braços aberto no topo da magistratura brasileira. Ele sabe disso e não raro o repete.
A partir daí, cabe-lhe optar pelo figurino que quer vestir. Péssimas relações com os seus pares e um trato arrogante com os profissionais de imprensa ou a adoção de mordomias foram objeto de matérias em diferentes órgãos de comunicação.
Tudo foi perdoado quando veio o recado que tocou mais fundo o coração das elites. Aos seus olhos, não pareceu haver aquele perigoso compromisso com o esforço de transformação da sociedade ou para estabelecer qualquer que fosse o laço de solidariedade com os que hoje vivem as condições em que um dia viveu.
Foi assim que a grande mídia interpretou a postura durante o julgamento da AP 470, para o julgamento do que a mídia adotou a designação de Mensalão. Relator ou presidente, jamais titubeou em refletir ao longo do processo o que viesse a ser aplaudido pelos grandes títulos da imprensa brasileira, se necessário afrontando os seus colegas de Tribunal ou os próprios princípios jurídicos, segundo alguns deles.
Uma só coisa escapa ao nosso personagem. O ingresso nos salões da aristocracia brasileira não é conquistado, mas concedido. E ninguém confunda uma concessão transitória, a título precário, com um convite para que se integre ao novo grupo. Mandatos passam e a elite nacional, excludente como sempre, sabe muito bem identificar quando o poder desaparece das mãos de eventuais convidados.
Fernando Tolentino

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

PROCLAMEMOS A REPÚBLICA!



Dois fatos se reúnem no mesmo dia, justamente a véspera da comemoração da Proclamação da República, para evidenciar a que nível chega a luta da sociedade brasileira. Para avançar na sua efetiva democratização ou para conter as forças transformadoras.
Passados 37 desde a sua estranha morte, quando até o comparecimento popular ao sepultamento teve que ser um ato popular de rebeldia, já que as autoridades militares o vetavam, o corpo do ex-presidente João Goulart é exumado para que se possa tentar, enfim, esclarecê-la.
Raríssimas pessoas – ao menos a que se dê o mínimo de crédito – duvidam de que Jango foi assassinado. Ainda mais quando se considera o curto período em que ocorreram as mortes dos três maiores líderes civis então na oposição ao regime militar: Juscelino Kubitschek, em 22 de agosto de 1976; Jango, no dia 6 de dezembro do mesmo ano; Carlos Lacerda, em 21 de maio de 1997. As mortes não foram aceitas como explicadas por suas famílias ou parte considerável da opinião pública.
A novidade é a iniciativa de buscar provas de que o ex-presidente tenha realmente sido envenenado e morto. O assunto foi proibido até a democratização formal do Brasil, em 1984, e seguiu sem merecer atenção da mídia ou das autoridades até muito recentemente, quando passou a ser encarado com seriedade, especialmente a partir da constituição da Comissão da Verdade, em maio de 2012.
A apuração da causa da morte de Jango é ainda mais simbólica que as de JK e Lacerda. Afinal, foi ele quem teve o poder usurpado pelo regime militar instaurado em 31 de março de 1964, com a execrável participação do Congresso Nacional.
Antes da morte, Jango foi vítima de uma guerra midiática, que buscou inclusive atingi-lo moralmente e à sua família, e querendo impregnar-lhe a pecha de desonesto. O Inquérito Policial Militar (IPM) a que foi submetido concluiu por acusar o ex-presidente de haver cometido crimes contra o Estado e a ordem política e social, atribuindo-lhe "corrupção administrativa; aplicação indevida do dinheiro público; concessão de vantagens, favores e privilégios a apadrinhados e a organizações de classe que (...) conturbavam a vida nacional (...); diluição do princípio de autoridade e solapamento das instituições".
As portas estão abertas para as apurações de denúncias sobre as mortes de JK e Carlos Lacerda, que também teriam sido provocadas criminosamente.
Pode até ser tecnicamente impossível comprovar o envenenamento de João Goulart, dado o tempo decorrido desde o óbito. Ou mesmo que os dois outros líderes tenham sido vítimas de atentados criminosos. Mas a perseguição da verdade se sobrepõe a isso, por assinalar que, finalmente, a sociedade amadureceu politicamente, a liderança civil está estabelecida e o passado está sendo revisto.
Enfim, ao menos no âmbito do Poder Executivo, chegamos à República, no mais completo sentido do termo. Não há nada escondido à sociedade. A coisa é pública (res publica).
Tudo indica que vai ser muito difícil o Poder Legislativo chegar a isso pelo simples fato de que são os seus próprios membros que definem as regras para essa transformação.
Tentativa até que houve. Dilma Rousseff ouviu as vozes das ruas se levantarem em junho para exigir, além de políticas públicas em seu efetivo favor, o fim da baixa política. Incorporou-se a esse clamor e empunhou medidas concretas, com ações, entre outras, para melhorar a mobilidade urbana e a prestação de serviços de saúde pública (Mais Médicos), mas também mostrou o caminho para modernizar as práticas políticas. Propôs uma constituinte exclusiva para fazer a Reforma Política. Sabendo que o Congresso não a convocaria, lançou o desafio: que isso fosse feito por um plebiscito. O Congresso percebeu que estava acuado e a maioria conservadora reagiu. Parte dela está na base de apoio do governo, mas fez questão de mostrar que esse apoio tem limite. Não saiu reforma nenhuma.
Pois do outro lado da Praça dos Três Poderes, do Judiciário, o mais conservador do Estado, em parceria com o Ministério Público, advém o outro fato. O STF também aproveita o simbolismo da data para fazer o anúncio de como vê o jogo do poder e pretende exercê-lo, se possível impondo-se aos demais.
Sem legitimidade no meio do povo, que lhe dedica níveis constrangedores de descrédito, propõe-se a tomar um atalho, achando que se legitimará pela bravata, já que comemorada pela grande mídia nacional.
Como não lhe renderiam homenagens em tais processos, dá de ombros a casos sobejamente conhecidos de práticas ilegais para a manutenção do poder, como a compra de votos para a reeleição de Fernando Henrique (em que não faltaram confissões) e o mensalão mineiro, para citar apenas dois.
Prefere a condenação dos que, simbolicamente, representam as transformações iniciadas com a eleição de Lula, em 2002. Alguém pode até pôr na conta de meras coincidências, mas são tantas as capazes de evidenciar uma tramitação diferenciada no processo que não custa enumerar algumas. Com o voto já conhecido, alterou-se a ordem dos trabalhos para que não se perdesse a manifestação do ministro Cezar Peluso pela condenação dos indiciados, promovendo-se inclusive o seu “fatiamento”. Antes já se tinha evitado o duplo grau de jurisdição ao trazer diretamente o processo, com todos os seus réus, para o STJ. Os prazos parecem ter sido explicitamente trabalhados, sendo isso reclamado ostensivamente pela mídia, para que a culminância coincidisse com momentos eleitorais. Provas deixaram de ser juntadas, levando à condenação de uns e não citação de outros, como no caso de diretores do Banco do Brasil, em que Henrique Pizolato acabou responsabilizado isoladamente. Por fim, à falta de provas, utilizou-se a inédita teoria do “domínio do fato”, que teóricos alegam ter inclusive sido aplicada indevidamente. No fim, pelo menos, não frutificou a tentativa, quase desesperada de parte da Corte, para que se negasse o exame de embargos infringentes. No fim, a emissão acelerada de ordens de prisão, a serem cumpridas em pleno feriado, como se alguém pretendesse se evadir, negando-se ao cumprimento da pena.
De concreto, conclui-se um processo eivado de dúvidas, que não convence grande parte da sociedade. Talvez a maioria, a julgar por seu infrutífero uso contra o Partido dos Trabalhadores em sucessivas eleições majoritárias. Lula (uma vez), Dilma e, por último, Haddad (para não falar de candidaturas em inúmeros estados e outros municípios), derrotaram nas urnas os arautos do mensalão.
Fica o sabor de que a justiça virá daqui a alguns anos, espera-se que não tantos como no caso da investigação de envenenamento de Jango, quando a República inundar toda a Praça dos Três Poderes e chegar ao Judiciário.
Fernando Tolentino

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

SOLIDARIEDADE AO COMPANHEIRO MARCELO DÉDA

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