sexta-feira, 29 de março de 2013

O PERFEITO IMBECIL POLITICAMENTE INCORRETO



Em 1996, três jornalistas –entre eles o filho do Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, Álvaro –lançaram com estardalhaço o “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano”. Com suas críticas às idéias de esquerda, o livro se tornaria uma espécie de bíblia do pensamento conservador no continente. Vivia-se o auge do deus mercado e a obra tinha como alvo o pensamento de esquerda, o protecionismo econômico e a crença no Estado como agente da justiça social. Quinze anos e duas crises econômicas mundiais depois, vemos quem de fato era o perfeito idiota.
Mas, quem diria, apesar de derrotado pela história, o Manual continua sendo não só a única referência intelectual do conservadorismo latino-americano como gerou filhos. No Brasil, é aquele sujeito que se sente no direito de ir contra as idéias mais progressistas e civilizadas possíveis em nome de uma pretensa independência de opinião que, no fundo, disfarça sua real ideologia e as lacunas em sua formação. Como de fato a obra de Álvaro e companhia marcou época, até como homenagem vamos chamá-los de “perfeitos imbecis politicamente incorretos”. Eles se dividem em três grupos:
1. o “pensador” imbecil politicamente incorreto: ataca líderes LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trânsgeneros) e defende homofóbicos sob o pretexto de salvaguardar a liberdade de expressão. Ataca a política de cotas baseado na idéia que propaga de que não existe racismo no Brasil. Além disso, ações afirmativas seriam “privilégios” que não condizem com uma sociedade em que há “oportunidades iguais para todos”. Defende as posições da Igreja Católica contra a legalização do aborto e ignora as denúncias de pedofilia entre o clero. Adora chamar socialistas de “anacrônicos” e os guerrilheiros que lutaram contra a ditadura de “terroristas”, mas apoia golpes de Estado “constitucionais”. Um torturado? “Apenas um idiota que se deixou apanhar.” Foge do debate de idéias como o diabo da cruz, optando por ridicularizar os adversários com apelidos tolos. Seu mote favorito é o combate à corrupção, mas os corruptos sempre estão do lado oposto ao seu. Prega o voto nulo para ocultar seu direitismo atávico. Em vez de se ocupar em escrever livros elogiando os próprios ídolos, prefere a fórmula dos guias que detonam os ídolos alheios –os de esquerda, claro. Sua principal característica é confundir inteligência com escrever e falar corretamente o português.
2. o comediante imbecil politicamente incorreto: sua visão de humor é a do bullying. Para ele não existe o humor físico de um Charles Chaplin ou Buster Keaton, ou o humor nonsense do Monty Python: o único humor possível é o que ri do próximo. Por “próximo”, leia-se pobres, negros, feios, gays, desdentados, gordos, deficientes mentais, tudo em nome da “liberdade de fazer rir.” Prega que não há limites para o humor, mas é uma falácia. O limite para este tipo de comediante é o bolso: só é admoestado pelos empregadores quando incomoda quem tem dinheiro e pode processá-los. Não é à toa que seus personagens sempre estão no ônibus ou no metrô, nunca num 4X4. Ri do office-boy e da doméstica, jamais do patrão. Iguala a classe política por baixo e não tem nenhum respeito pelas instituições: o Congresso? “Melhor seria atear fogo”. Diz-se defensor da democracia, mas adora repetir a “piada” de que sente saudades da ditadura. Sua principal característica é não ser engraçado.
3. o cidadão imbecil politicamente incorreto: não se sabe se é a causa ou o resultados dos dois anteriores, mas é, sem dúvida, o que dá mais tristeza entre os três. Sua visão de mundo pode ser resumida na frase “primeiro eu”. Não lhe importa a desigualdade social desde que ele esteja bem. O pobre para o cidadão imbecil é, antes de tudo, um incompetente. Portanto, que mal haveria em rir dele? Com a mulher e o negro é a mesma coisa: quem ganha menos é porque não fez por merecer. Gordos e feios, então, era melhor que nem existissem. Hahaha. Considera normal contar piadas racistas, principalmente diante de “amigos” negros, e fazer gozação com os subordinados, porque, afinal, é tudo brincadeira. É radicalmente contra o bolsa-família porque estimula uma “preguiça” que, segundo ele, todo pobre (sobretudo se for nordestino) possui correndo em seu sangue. Também é contrário a qualquer tipo de ação afirmativa: se a pessoa não conseguiu chegar lá, problema dela, não é ele que tem de “pagar o prejuízo”. Sua principal característica é não possuir ideias além das que propagam os “pensadores” e os comediantes imbecis politicamente incorretos.
Cynara Menezes. Publicado em Luís Nassif Online, em 28/03/2013

sábado, 9 de março de 2013

A CRISE É DO JORNALISMO



 Luciano Martins Costa

O declínio da imprensa tradicional não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Mesmo que seus resultados não sejam desastrosos em uns poucos países onde algumas mudanças econômicas colocam na cena social novos protagonistas, ampliando o mercado, a imprensa é decadente por toda parte, e mais evidentemente onde ela contribuiu para construir sociedades mais democráticas.

Embora os analistas e observadores sejam levados a abordar essa questão a partir de pontos específicos, como a dificuldade dos meios tradicionais em se adaptar às novas tecnologias de informação e comunicação, há indícios para se afirmar que a crise da imprensa vai muito além do modelo de negócio.

Trata-se de uma crise do jornalismo, e basta uma pergunta básica: se o jornalismo é parte essencial da vida democrática, provendo a sociedade de informações que ajudam a formar a consciência da cidadania, pode-se dizer que a imprensa está cumprindo bem esse papel em algum lugar do mundo?

Antes que se diga que é impossível responder, de imediato, essa questão, podemos reduzi-la ao contexto mais próximo: a imprensa ajuda os brasileiros a construir um Brasil melhor?

Uma resposta, longa ou sucinta, exige algum paradigma: por exemplo, um país melhor teria uma população mais educada e menores índices de violência, para ficar em dois aspectos básicos das sociedades mais desenvolvidas. Um jornalismo de qualidade poderia contribuir para isso oferecendo conteúdos que convidassem – o ideal seria o verbo compelir – à reflexão. Para tanto, a imprensa precisaria se colocar como uma instituição aberta ao contraditório, o que justificaria seu papel de mediadora entre visões de mundo diversas ou divergentes.

O aprendizado da convivência democrática não se faz exclusivamente pela leitura de jornais ou pela audiência passiva de noticiários da televisão: ele se consolida nos relacionamentos sociais, onde são testadas as convicções e a capacidade de cada um de lidar com a diversidade de opiniões e interesses.

Nas sociedades arcaicas, onde as necessidades básicas de sobreviver e criar a prole limitavam ambições individuais, as opiniões eram harmonizadas pela figura do sacerdote. Na sociedade moderna, o sacerdote foi substituído pelos agentes da indústria cultural, que se movem basicamente pelo interesse econômico.

Alimentando radicais

Essa é uma das origens da submissão de todas as relações à questão econômica: embora pareça que a imprensa discute política, religião, futebol ou a moralidade pública, o que define cada opinião é a visão particular sobre como deve ser organizada a economia. Toda pauta jornalística é submetida a esse crivo central, e quanto mais urgente é a decisão editorial, mais reta essa linha entre o fato e a matriz ideológica que condiciona a interpretação.

Como a sociedade contemporânea projeta uma realidade mais complexa, essa visão condicionada a um eixo central se torna imprecisa e tende a distorcer a visão de mundo. Vejamos, por exemplo, como a imprensa viu o caso em que o disparo – eventualmente acidental – de um artefato naval de sinalização provocou a morte de um adolescente na cidade de Oruro, na Bolívia, durante uma partida de futebol.

Claramente, não apenas as reações dos analistas esportivos, mas os comentários de leitores e protagonistas das redes sociais formaram um conjunto assombroso de irracionalidades e radicalismos.

A imprensa em peso considerou que o ato foi premeditado. E ponto final. O fato em si ficou nas sombras – as opiniões se impuseram, impedindo qualquer reflexão mais elaborada e resultando numa condenação generalizada a todo torcedor de futebol – essa gentinha diferenciada que ulula nos estádios, diria uma senhora paulistana de Higienópolis.

O mesmo se pode observar sobre a morte do presidente venezuelano Hugo Chávez: parte da imprensa e muitos leitores descambaram para o achincalhe, esquecendo as mais básicas regras da convivência social. Até mesmo a morte do cantor Alexandre Abrão, conhecido como “Chorão” – ao que tudo indica provocada pelo abuso de drogas –, acaba sendo usada nesse contexto, no blog de um jornalista, que escreveu: “Chávez vai tarde, Chorão vai cedo”.

A imprensa estimula a radicalização na sociedade brasileira, simplesmente porque não consegue lidar com as sutilezas da realidade contemporânea. O resultado é mais irracionalidade.

Quando o jornalismo resvala para o aviltamento, não há mais jornalismo.

Publicado originalmente no Observatório da Imprensa em 9 de março de 2013