domingo, 6 de maio de 2012

TEMA PROIBIDO (NA FOLHA DE SÃO PAULO)



A atitude é elogiável, pois inédita. Ao menos desde que a grande mídia brasileira encantou-se com o que resolveu chamar de jornalismo investigativo, assim chamado o de reportagens sobre denúncias políticas. 
O dedo – aliás os dedos, pois essas pautas são assumidas de forma uníssona, chegando a parecer que combinadas entre os diferentes editores – jamais fora voltado para a própria grande mídia. 
Daí a importância de elogiar o ombudsman da Folha de São Paulo. Antes, parlamentares que integram a CPMI que inicia a investigação sobre o rumoroso caso prometeram apurar as evidências de envolvimento do contraventor Carlinhos Cachoeira com repórteres, editores (e, chega-se a afirmar, dirigentes) de veículos de comunicação. Mas, agora, o ombudsman da Folha faz eco com a necessidade de que os órgãos de imprensa não desdenhem desses indícios. 
Ainda não se sabe como a advertência será vista pelos editores do jornal, mas a iniciativa é extremamente relevante. E, por isso, merece elogios. Mais: precisa de elogios, justamente para que não caia no conveniente esquecimento dos editores. Isso é indispensável para que os leitores tenham pelo menos clareza com relação ao produto que estão consumindo.  
Não é justo veículos de comunicação se escudarem na explicação de que “ter um corrupto como informante não nos corrompe”.  
É claro que não cabe, necessariamente, desprezar criminosos e contraventores enquanto fontes de notícias.  
A questão não essa e reduzir o debate a isso é esgueirar-se pra longe do que se põe em evidência.  
Inadmissível é ter corruptos, criminosos e contraventores como fontes preferenciais, creditar-lhes confiança irrestrita, tentar transformá-las em exemplares inquestionáveis de honradez.  
Inimaginável é aceitar que corruptos, criminosos e contraventores ganhem o status de pauteiros, sejam eles e não as redações dos veículos de comunicação a decidir o que deve (e o que não deve) ser publicado. 
Pior que tudo isso é se (Deus livre os leitores e telespectadores brasileiros disso!) veículos de comunicação chegam a ter negócios ou pelo menos aceitar vantagens de corruptos, criminosos e contraventores.

TEMA PROIBIDO

Suzana Singer


A imprensa deve revelar sua relação com o bicheiro para que o leitor decida o que é eticamente aceitável.
A imprensa tem-se mostrado ágil e eloquente na publicação de qualquer evidência de envolvimento com o superbicheiro de Goiás, Carlos Cachoeira. Já se levantaram suspeitas sobre governadores, senadores, deputados, policiais, empresários, mas reina um silêncio reverente no que tange à própria mídia.
O sujeito nem precisa ter sido pego em conversa direta com Cachoeira, uma citação ao seu nome é suficiente para virar notícia – na semana passada, por exemplo, a Folha destacou uma tentativa de lobby no Ministério da Educação.
Já menções à imprensa, na grande imprensa, têm sido quase ignoradas. A Folha, que tem ombudsman para publicar o que a Redação menospreza, aparece em dois grampos, nada comprometedores.
Num diálogo, Cachoeira comenta nota do Painel, de 7 de julho de 2011, em que o deputado federal Sandro Mabel, de Goiás, nega ser a fonte das denúncias que derrubaram o ministro dos Transportes. O bicheiro se diverte e diz que foi o senador Demóstenes Torres (ex-DEM) quem espalhou isso em Brasília.
Em outra conversa, o contraventor e Claudio Abreu, na época diretor da Delta, tentam evitar a publicação de uma reportagem. Primeiro, Abreu diz que “nós tamos bem lá”, mas depois lamenta não ter contato no jornal. “Queria alguma relação com a Folha.”
A Secretaria de Redação não identificou o assunto que incomodou a empreiteira, mas diz que, após o tal telefonema, “a Folha publicou duas reportagens críticas à Delta: uma falando de sobrepreço em reforma no Maracanã e outra sobre paralisação de obra em Cumbica”.
A “Veja”, que aparece várias vezes nos grampos, publicou apenas um diálogo em que é citada e colocou, no on-line, uma defesa de seus princípios (“Ética jornalística: uma reflexão permanente”). O artigo, do diretor de Redação, afirma que “ter um corrupto como informante não nos corrompe” e lembra ao leitor que “maus cidadãos podem, em muitos casos, ser portadores de boas informações”. Cabe ao jornalista avaliar “se o interesse público maior supera mesmo o subproduto indesejável de satisfazer o interesse menor e subalterno da fonte”.
Trocando em miúdos: mesmo sendo uma pessoa inidônea, Cachoeira pode ter fornecido à revista dados valiosos, que levaram a importantes denúncias de corrupção.
Do que veio a público até o momento, não há nada de ilegal no relacionamento “Veja”-Cachoeira. O paralelo com o caso Murdoch, que a blogosfera de esquerda tenta emplacar, soa forçado, porque, no caso inglês, há provas de crimes, como escutas ilegais e a corrupção de policiais e autoridades.
Não ser ilegal é diferente, porém, de ser “eticamente aceitável”. Foram oferecidas vantagens à fonte? O jornalista sabia como as informações eram obtidas? Tinha conhecimento da relação próxima de Cachoeira com o senador Demóstenes? Há muitas perguntas que só podem ser respondidas se todas as cartas estiverem na mesa.
É preciso divulgar os diálogos relevantes que citem a imprensa. A Secretaria de Redação diz que tem “publicado reportagens a respeito, quando julga que há notícia”. “Na sexta, entrevista com o relator da CPI tratava do tema e estava na Primeira Página. Já em abril havia reportagem de Brasília e colunistas escreveram a respeito”, afirma.
É pouco. Grampos mostram que a mídia fazia parte do xadrez de Cachoeira. Que essa parte do escândalo seja tratada sem indulgência, com a mesma dureza com que os políticos têm sido cobrados. Permitir-se ser questionado, jogar luz sobre a delicada relação fonte-jornalista, faz parte do jogo democrático.

* Folha (ombudsman) - 06.05.2012 



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