segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

UMA PAUTA DE VERDADE: DESAFIO À IMPRENSA BRASILEIRA

Fernando Tolentino

Ao se despedir, na condição de presidente do Brasil, dos demais chefes de Estado da América Latina, Luiz Inácio da Silva, o Lula, aproveitou, em Mar del Plata, para apresentar a sua sucessora, Dilma Rousseff. E o fez sem perder a oportunidade de antegozar essa sucessão como prova irrefutável da consolidação da democracia brasileira. Lembrou o passado de militante política clandestina da nova presidente, que chegou a ser condenada e cumprir pena, antes sendo barbaramente torturada.
Lula disse que já imaginava, quando Dilma subisse a rampa do Planalto, no que estaria pensando o seu antigo torturador.
Assim, o presidente originário do meio operário exercia a sua singular capacidade de flagrar, na sua inteireza, a importância de cada momento político.
Ele bem sabe que não anima a Dilma qualquer sentimento revanchista, um traço que serve para evidenciar a grandeza de sua sucessora e marcar profundamente aquela consolidação democrática a que Lula se referiu.
Se é possível chamar assim, a “vingança” de Dilma Rousseff, como a de Lula, cada um com a sua singularidade, está em mostrar que, ao contrário de seus algozes, podem redefinir o projeto de desenvolvimento brasileiro. Retirar o País de uma situação de quase insolvência para levar a uma marcha batida em direção ao grupo das nações mais desenvolvidas do mundo. Como Lula destacou, ele sai do governo e Dilma assume quando se coloca a perspectiva concreta, para um horizonte muito próximo, de o Brasil figurar entre os cinco países mais desenvolvidos.
Isso é muito. E é muito mais quando se observa que esse desenvolvimento se dá com distribuição de renda, uma alternativa liminarmente descartada nos anos de regime militar e que não foi enfrentada pelos sucessivos presidentes da fase de redemocratização.
É certo que os dois presidentes – o que sai e a que entra – não têm a tendência de descambar para o revanchismo, limitando-se a curtir a curiosa circunstância de uma ex-militante da resistência à ditadura ocupar, pela via democrática, a cadeira que parecia definitivamente reservada aos ditadores.
A sociedade, porém, ainda espera pela verdade. A grande mídia carioca e paulistana tem uma visão diferente do que seja essa verdade. Nas reuniões corporativas, os proprietários de jornais, emissoras de rádio e TV insistem na tecla de que sua única missão é levar ao noticiário os fatos que a sociedade quer conhecer.
Ao ver a iminência de vitória da candidatura à Presidência da antiga militante e, especialmente, quando Dilma viabilizou sua eleição, essa mídia (Folha de São Paulo e Globo) não abriu mão de apossar-se dos autos do processo da nova presidente na Justiça Militar. Entendeu que eram fatos de primeira grandeza, a excitar a curiosidade de seu público.
Pois bem, a partir da singela reflexão do presidente Lula em sua fala aos Chefes de Estado que lhe rendia estrepitosa homenagem na Argentina, os barões da grande mídia brasileira, seus editores, ganham uma pauta irrecusável. Esta, sim, capaz de satisfazer leitores, espectadores e ouvintes.
Dificilmente, há hoje um só brasileiro que não quisesse conhecer os torturadores de Dilma Rousseff. Quem são? Como vivem e de que vivem atualmente? Estão em paz com as suas conscicências? Sentem-se realizados pessoal e profissionalmente por terem torturado Dilma e tantos outros lutadores da resistência? Vivem tranqüilos com suas mulheres e filhos? Em quem votaram nesta eleição?
Esta é a verdadeira pauta dos grandes veículos de comunicação brasileiros. Buscar esses torturadores, identificá-los, entrevistá-los, ouvir seus vizinhos, parentes e amigos. Negligenciar essa pauta é negar o papel de imprensa de que tanto se orgulham.

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