quarta-feira, 29 de setembro de 2010

VAMOS ACERTAR DE NOVO!!!


(A propósito do artigo de Ferreira Gullar “Vamos errar de novo?”,
na Folha de São Paulo de 5/9/2010)


Inicio com uma nota pessoal: aprendi a gostar de poesia quando fui apresentado aos poemas de Ferreira Gullar, nos anos 80. Apaixonei-me à primeira leitura pela delicadeza, pela profundidade e pela sofisticação de sua leitura dialética de tudo que é profundamente humano e brasileiro. Da “noite ocidental, obscenamente acesa sobre meu país dividido em classes” ao “açúcar branco e puro, produzido por homens de vida amarga e dura, para adoçar o café numa manhã em Ipanema”. Pra mim, são poemas imortais.

Mas desde o início do Governo Lula, percebo em Gullar uma indisposição visceral para com Lula e o PT. Um ódio tão impressionante que faz jus à postura do velho PCB de afagar a “burguesia nacionalista e democrática” enquanto combatia impiedosamente o surgimento e o crescimento do PT.

É uma pena que alguém que escreveu versos tão contundentes e apaixonantes para denunciar as iniqüidades sociais do país menospreze as realizações de um governo que conseguiu tirar 30 milhões de pessoas da miséria extrema e elevar à “nova classe média” mais 20 e tantos milhões!

Por que os governos da burguesia nacional, que nunca fizeram tanto pelo povo, mereciam apoio incondicional daquela esquerda na qual militou Gullar e hoje o governo do primeiro operário presidente só merece repúdio e condenação?

Não há dialética que explique!

E, pior: ainda se prefira e defenda, como alternativa, um candidato que representa o atraso, o retrocesso ao tempo em que o mercado contava mais que as pessoas, como exemplificam as privatizações, o Proer e a tibieza das ações sociais no governo demo-tucano, do qual Serra foi ministro 2 vezes: primeiro do Planejamento e depois da Saúde.

Parece uma dialética do povo que termina no calçadão da praia...

Gullar foi a maior parte da sua vida um homem de esquerda, filiado ao PCB. Não tem nenhuma obrigação de assim continuar para que se possa ver em sua trajetória alguma coerência. Mas juntar-se à direita para tentar derrotar os tímidos avanços da esquerda no país já é um pouco demais!

Num de seus mais belos poemas, escrito em homenagem a Che Guevara, “Dentro da noite veloz”, Gullar terminava dizendo que “a vida muda como a cor dos frutos; lentamente e para sempre; a vida muda como a flor em fruto; velozmente”.

Pois é. A vida mudou muito no Brasil nos últimos anos. Velozmente e para sempre! Especialmente porque o povo brasileiro, a quem Gullar dedicava seus poemas até a década de 70, não está mais atrás de salvadores da pátria – ainda que selecionados por currículo – e aprendeu a decidir sobre projetos de país, que é o que esta eleição coloca em jogo!

É lamentável que um intelectual, um artista que demonstrou tanta habilidade e maestria em usar a dialética em sua poesia não saiba – ou não queira – usá-la numa simples análise de conjuntura política.

Tudo para ele se resume a características curriculares. Não há por trás de Serra e Dilma visões de país; projetos de nação; assim como não há programas de governo nem visões de papel do Estado, já testados e avaliados pelo povo brasileiro: o neoliberalismo demo-tucano e o socialdesenvolvimentismo petista.

Se fosse por currículo, FHC teria que ter feito o melhor governo desse país. Mas, embora pareça ser o que pensa Gullar, não é o que pensam 80% de seus compatriotas.

Estamos elegendo a presidente do Brasil, não o chefe de um departamento da USP! Alguém que não precisa ser especialista em nada, mas terá que decidir sobre tudo. E até os especialistas sabem o quanto é difícil, por vezes, tomar uma única decisão.

Por fim, a comparação de Dilma com Jânio e Collor (“surgidos do nada”) é de um mau-caratismo que desonra a trajetória de Gullar. Só pra refrescar a memória: Jânio não surgiu do nada, mas da apologia udenista e golpista contra a “sujeira” do Governo JK. Collor também não surgiu do nada, mas da estratégia da direita - muito bem construída com a ajuda da Veja, da Globo et caterva – para impedir a vitória de Lula. Turma esta – udenistas, golpistas, Veja e Globo – que, como se vê, Gullar prefere, hoje, a seus antigos companheiros de luta. Uma lástima!

Ainda bem que a arte de Gullar é a poesia! Que continue sendo um grande poeta e que sua poesia continue ajudando a entender o Brasil.

Kleber Chagas Cerqueira (Professor e Servidor Público em Brasília)

VAMOS ERRAR DE NOVO?

Ferreira Gullar
Folha de São Paulo, 05.09.2010

Faz muitos anos já que não pertenço a nenhum partido político, muito embora me preocupe todo o tempo com os problemas do país e, na medida do possível, procure contribuir para o entendimento do que ocorre. Em função disso, formulo opiniões sobre os políticos e os partidos, buscando sempre examinar os fatos com objetividade.

Minha história com o PT é indicativa desse esforço por ver as coisas objetivamente. Na época em que se discutia o nascimento desse novo partido, alguns companheiros do Partido Comunista opunham-se drasticamente à sua criação, enquanto eu argumentava a favor, por considerar positivo um novo partido de trabalhadores. Alegava eu que, se nós, comunas, não havíamos conseguido ganhar a adesão da classe operária, devíamos apoiar o novo partido que pretendia fazê-lo e, quem sabe, o conseguiria.Lembro-me do entusiasmo de Mário Pedrosa por Lula, em quem via o renascer da luta proletária, paixão de sua juventude. Dura nte a campanha pela Frente Ampla, numa reunião no Teatro Casa Grande, pela primeira vez pude ver e ouvir Lula discursar.

Não gostei muito do tom raivoso do seu discurso e, especialmente, por ter acusado "essa gente de Ipanema" de dar força à ditadura militar, quando os organizadores daquela manifestação -como grande parte da intelectualidade que lutava contra o regime militar- ou moravam em Ipanema ou frequentavam sua praia e seus bares. Pouco depois, o torneiro mecânico do ABC passou a namorar uma jovem senhora da alta burguesia carioca.

Não foi isso, porém, que me fez mudar de opinião sobre o PT, mas o que veio depois: negar-se a assinar a Constituição de 1988, opor-se ferozmente a todos os governos que se seguiram ao fim da ditadura -o de Sarney, o de Collor, o de Itamar, o de FHC. Os poucos petistas que votaram pela eleição de Tancredo foram punidos. Erundina, por ter aceito o convite de Itamar para integrar seu ministério, foi expulsa.

Durante o governo FHC, a coisa se tornou ainda pior: Lula denunciou o Plano Real como uma mera jogada eleitoreira e orientou seu partido para votar contra todas as propostas que introduziam importantes mudanças na vida do país. Os petistas votaram contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e, ao perderem no Congresso, entraram com uma ação no Supremo a fim de anulá-la. As privatizações foram satanizadas, inclusive a da Telefônica, graças à qual hoje todo cidadão brasileiro possui telefone. E tudo isso em nome de um esquerdismo vazio e ultrapassado, já que programa de governo o PT nunca teve.

Ao chegar à presidência da República, Lula adotou os programas contra os quais batalhara anos a fio. Não obstante, para espanto meu e de muita gente, conquistou enorme popularidade e, agora, ameaça eleger para governar o país uma senhora, até bem pouco desconhecida de todos, que nada realizou ao longo de sua obscura carreira política.

No polo oposto da disputa está José Serra, homem público, de todos conhecido por seu desempenho ao longo das décadas e por capacidade realizadora comprovada. Enquanto ele apresenta ao eleitor uma ampla lista de realizações indiscutivelmente importantes, no plano da educação, da saúde, da ampliação dos direitos do trabalhador e da cidadania, Dilma nada tem a mostrar, uma vez que sua candidatura é tão simplesmente uma invenção do presidente Lula, que a tirou da cartola, como ilusionista de circo que sabe muito bem enganar a plateia.

A possibilidade da eleição dela é bastante preocupante, porque seria a vitória da demagogia e da farsa sobre a competência e a dedicação à coisa pública. Foi Serra quem introduziu no Brasil o medicamento genérico; tornou amplo e efetivo o tratamento das pessoas contaminadas pelo vírus da Aids, o que lhe valeu o reconhecimento internacional. Suas realizações, como prefeito e governador, são provas de indiscut� �vel competência. E Dilma, o que a habilita a exercer a Presidência da República? Nada, a não ser a palavra de Lula, que, por razões óbvias, não merece crédito.

O povo nem sempre acerta. Por duas vezes, o Brasil elegeu presidentes surgidos do nada - Jânio e Collor. O resultado foi desastroso. Acha que vale a pena correr de novo esse risco?

domingo, 26 de setembro de 2010

ELEIÇÕES: VOCÊ SABE EM QUEM REALMENTE ESTÁ VOTANDO?


Alexandre Horta, Bombeiro Roosevelt, Chiquinho Dornas, Dimilson, Dorval Cavalcanti, Dr. Flávio, Dr. Marcos, Genu, Gondiberto e Iroíto Nakao. Dito assim, pelo que conhece do Distrito Federal enquanto cidadão, você identifica entre esses onze nomes algum que reúna presumíveis condições eleitorais para se tornar deputado distrital na eleição do final da próxima semana?

Veja que não fiz essa provocação antes de se conflagrar a campanha eleitoral. Todos eles já tiveram a oportunidade de aparecer nos programas políticos de rádio e TV. Já tiveram tempo e condições (inclusive licença do emprego, se servidores públicos ou profissionais de meios de comunicação) para se apresentarem aos eleitores. Tanto esses quanto Jonas Lessa, Kaká, Levi, Mario Blanco, Maura, Morais, Nágela Maria, Natália Cotrin, Néviton Sangue Bom, Ney Neres, Nicson, Nixon Brasil, Pastora Rute e Pastora Solange.

E daí? Você os vê, os de um e outro time, como possíveis deputados?

Se não, pergunto de onde eles tiraram a ideia de se lançarem candidatos. A menos que a eleição nos reserve uma estrepitosa surpresa (e isso bissextamente acontece), de onde vem a ingênua suposição dessas muitas centenas de homens e mulheres de que vale a pena o esforço de uma campanha eleitoral?

Na condição de quem participou, como candidato, de dois pleitos, garanto que a campanha eleitoral não é uma empreitada leve ou pouco desgastante.


Fazer campanha não é mera diversão


Ao contrário. Se o candidato vislumbra alguma elegibilidade, significa agendas pesadíssimas.
Quando candidato, meu dia começava (nas últimas semanas) pouco antes de seis horas, quando embarcava em ônibus que partiam de terminais de diferentes cidades para percorrer um trecho de cerca de cinco quilômetros fazendo exposições aos passageiros sobre o que pretendia com o meu mandato. Em finais de semana, no mesmo horário, cumprimentava possíveis eleitores e panfletava o meu material em feiras populares. Após bandeiraços ou panfletagens à entrada de locais de emprego de trabalhadores, o horário da manhã era reservado para reuniões com a coordenação da campanha, a análise dos textos da propaganda eleitoral, as gravações dos programas de rádio e TV, o contato com eleitores que me procuravam no comitê central e uma infinidade de outros compromissos. Inclusive a visita a repartições públicas, universidades, hospitais e postos de saúde, entre outros ambientes em que havia ajuntamento de pessoas ou elas podiam nos dispersar minutos de atenção. Muitas vezes, fazia caminhadas por avenidas comerciais de cidades satélites. O almoço era um horário nobre, pois os eleitores estavam disponíveis ao acesso de candidatos e a legislação já autorizava a utilização de serviço de som. Pequenos comícios, panfletagens, corpo-a-corpo, pequenas reuniões em locais em que trabalhadores fazem a refeição.

À tarde, repetia-se a parte pública da rotina das manhãs e, ao final, panfletagens na saída do expediente de órgãos públicos ou grandes empresas.

As noites eram reservadas para reuniões em casas de família, clubes, associações, eventalmente mais de uma a cada noite. E os debates com outros candidatos. Nunca deu pra ver o meu próprio programa de TV.
Não raro, havia visitas a grupos ou chefes religiosos. E festas, muitas festas privadas às quais era convidado. Garanto que sobrava tempo (pouco) para a higiene pessoal e um rápido sono.

Todo esse esforço representou uma campanha de que muitos se lembram, mas eu fiquei como um digno suplente. Na outra eleição, claramente boicotado pela direção partidária, fiquei muito longe disso. Muitos nem souberam ou lembram que eu a disputei.

Depois das eleições, desapontamento de muitos, situações patéticas como ver parceiros de campanha se entregarem ao alcoolismo, incapazes de lidarem com a decepção. Afastamento de amigos, interpretações equivocadas do papel que tínhamos cumprido, avaliações (muitas) em que éramos responsabilizados pela derrota. E cobranças descabidas, vários não entendendo que havia sido um candidato diferente dos outros e que não cabia qualquer expectativa de premiação pecuniária, responsabilização por compromissos financeiros pessoais, etc. Anos depois, ainda surgiam pleitos dessa natureza. Em uma das eleições, a coordenação da campanha não honrou compromissos com a manutenção do comitê e tive a infelicidade de perder objetos e acervo pessoais preciosos, simplesmente eliminados pela locadora do imóvel.

Lembre-se que foram campanhas (as primeiras da história de Brasília), em que havia muito menos candidatos e eu era dos mais conhecidos, com um currículo considerável de participação nas lutas populares locais.

É preciso lembrar também o choque do dia seguinte. Nas semanas que antecederam a eleição de 1986, cheguei a ter tendinite no braço direito de tanto cumprimentar pessoas. Cerca de 200 a 300 apertos de mão por dia, o mesmo número de abraços e beijos em mulheres. No dia seguinte à eleição, o candidato derrotado está só, ninguém para conversar, nenhum telefonema. Perdi dez quilos em um mês, embora estivesse descansando da campanha!

Na segunda eleição, o partido me escondeu. Pouca gente soube sequer que fui candidato. A frustração foi absoluta.

O que anima tanta gente a se candidatar

Atrás, então, de quê correm esses candidatos? Eles e mais Paulo da Saúde, Priscila Parisi Prof. Denizario, Prof. Joel, Rogério Ban Ban, Ronaldo Fonseca, Samara Portela, Sonia Chaves, Tio Fernando, Vilma Magalhães, Ziller e outras muitas dezenas de concorrentes.

A uma semana do pleito, posso garantir que oito em cada dez deles já têm clareza de que não estão disputando nada. Boa parte dedica-se apenas a não sair do processo com um saldo vergonhoso, humilhante. E já estão na fase de justificação (no mínimo pra si mesmos) dos insucessos. Uns vêem traições de eleitores, cabos eleitorais, apoiadores. Outros responsabilizam os seus padrinhos políticos. É sabido, nos meios políticos brasilienses, que dezenas desses malsucedidos candidatos queixam-se à estrutura de sua coligação do tratamento fortemente diferenciado de que desfrutam, por exemplo, as duas filhas de Joaquim Roriz, cada uma concorrendo a um mandato parlamentar.

Aí reside a verdade do processo eleitoral brasileiro. E é por isso que não pode tardar uma reforma política radical em que seja assegurada transparência para os eleitores.

Hoje, a dura verdade é que tais candidatos são pessoas ingênuas, em alguns casos identificáveis como lideranças de pequenos grupos de base, muitos deles animados pela vaidade pessoal. Como me explicava um amigo com quem concorri em uma das eleições: “É gente que veio de lugares pequenos e se candidata para mandar o santinho para os parentes. Aqui, são pouco conhecidos, mas são tratados como gente importante em suas cidades, como alguém que é ‘candidato em Brasília’! Essa gente incha de orgulho por frequentar um meio em que, dali, sairão futuros deputados”.

O certo é que são escalados por chefes políticos para perderem eleições! Sem o saberem, simplesmente com a tarefa de reunirem os votos que forem capazes de somar, para completarem o coeficiente eleitoral de seus partidos (ou coligações) e, desse jeito, viabilizarem o sucesso daqueles em que os chefes políticos estão realmente investindo.

Alguns talvez jamais entendam isso.

Como funciona a eleição proporcional no Brasil?


Em tempo de eleição, é muito comum ouvir eleitores dizerem que não votam em partidos, mas em candidatos. Se isso pode ser verdade na escolha de candidatos majoritários (presidente, senador, governador e prefeito), a frase revela absoluta ignorância acerca do processo eleitoral quando se fala de candidaturas proporcionais: para deputados federais, deputados estaduais (nos Estados) ou distritais (no Distrito Federal) e vereadores.

Nas eleições proporcionais, todos os eleitores votam mesmo é em partidos, ainda que não saibam disso. Quando digita o número do seu candidato, o eleitor está somando um voto ao do partido (ou coligação) dele. Não é à toa que o número do candidato começa por dois algarismos que indicam qual é o seu partido. A soma dos votos de cada partido vai indicar se ele terá direito a eleger deputados e, se tiver, quantos serão esses deputados.

Vamos ver como se faz o cálculo. Terminada a eleição, divide-se o número dos votos válidos pelas vagas a preencher. Ou seja, todos os votos menos os nulos. Chama-se o resultado disso de coeficiente eleitoral. Se, somados os votos de todos os seus candidatos, o partido não atingir o coeficiente eleitoral, ele não terá nenhum deputado eleito. Em Brasília, houve várias vezes candidatos que não se elegeram porque seus partidos ficaram nessa situação, embora tivessem mais votos em seus nomes que concorrentes eleitos. Dois exemplos desse tipo de insucesso para deputados federais: Chico Vigilante (PT), em 1986; Paulo Octavio (PRN), em 1990.

Se os partidos atingem o coeficiente eleitoral, divide-se o total dos votos de seus candidatos por esse coeficiente eleitoral e se tem o número de vagas conquistadas.

O exemplo pode facilitar o entendimento. Estima-se que, no Distrito Federal, o total de votos válidos (para deputados federais e distritais) chegue a cerca de 1,8 milhão na eleição deste ano. Logo, o coeficiente eleitoral deve ser de mais ou menos 225 mil votos para deputado federal (coeficiente eleitoral dividido por 8 vagas). Isso quer dizer que nenhum partido (ou coligação) elegerá algum deputado federal se a soma dos votos de todos os seus candidatos não chegar a esse patamar.
É claro que o eleitor pode decidir votar em um partido, mesmo sabendo que ele não elegerá ninguém. Isso é comum entre eleitores com votos marcadamente ideológicos. Se não for o caso, se o eleitor quiser que seu voto seja aproveitado, precisa avaliar, antes, para não votar em candidato de partido que não atingirá o coeficiente eleitoral.

Se um partido (ou coligação) passar de 450 mil votos (2 x 225 mil), terá direito a dois deputados federais; se ultrapassar 675 mil (3 x 225 mil), ficará com três vagas. E assim por diante.

Parece difícil? Evidentemente, há risco de avaliação incorreta. Mas é possível dizer que há uma crença mais ou menos generalizada em quais são os partidos que estão realmente concorrendo no Distrito Federal e quais os que estão aproveitando a eleição apenas para fazerem propaganda de suas propostas. Embora ache a tática absolutamente válida, eu tenho a maior tranquilidade, por exemplo, para afirmar que PCO, PCB, PSol e PV não elegerão deputados federais em Brasília nesta eleição.

O cálculo para deputado distrital é o mesmo, mas, como são 24 as vagas, o coeficiente eleitoral será de mais ou menos 75 mil votos (1,8 milhão dividido por 24 vagas). Coligação ou partido que, somados os votos de todos os seus candidatos, não reunir essa votação ficará de fora do rateio das vagas. Quem tiver votado em candidatos deles terá desperdiçado o voto. A não ser que tenha votado apenas para fazer uma manifestação de identificação partidária.

Assim, um partido terá direito a uma vaga na Câmara Legislativa se a soma dos votos de seus candidatos atingir 75 mil votos; a duas vagas, se chegar a pelo menos 150 mil; a três, completado o mínimo de 225 mil. E nova vaga a cada novos 75 mil votos.

Portanto, o voto do eleitor vai, em primeiro lugar, para o partido ou coligação.

Só após a definição de quantas vagas foram conquistadas pelo partido (ou coligação), o voto no candidato ganha valor. É que, para estar entre os eleitos, vai valer a sua classificação entre os nomes de seu partido ou coligação. Terá que ser o mais votado para ficar com uma só vaga, caso não se chegue a obter duas. Se hover direito a duas vagas, ele só estará eleito se for um dos dois primeiros entre os candidatos de seu partido ou coligação.

Daí, além de avaliar aproximadamente quantos votos o partido de sua preferência vai somar e, portanto, com quantas vagas vai ficar, o eleitor deve avaliar também qual a posição de seu candidato entre os concorrentes de seu partido. Só assim saberá as suas reais chances.

Ouvi uma vez que os ingleses criaram as regras do jogo de tênis (tempos decididos com pontuação de 10, 30, 40 e game; partidas com seis tempos, com exigência de vitória com diferença de dois tempos, entre outras complicações) propositadamente para que fossem incompreensíveis para os povos dos países que dominavam, afastando-os da pretensão de participar do jogo dos dominadores.

Não sei se a suposição é verdadeira. Mas as regras da eleição proporcional brasileira só podem ter sido concebidas com o fito de tornar a eleição um instrumento de que só as classes dominadoras tivessem conhecimento, tornando-se mais fácil manipulá-las.

Talvez justamente por isso a Justiça Eleitoral invista uma fortuna para orientar os eleitores, mas a orientação se restringe a questões processuais ou mecânicas do ato de votar, como a obrigação de levar documento com foto, como digitar os números na urna eletrônica etc. Jamais repassa aos eleitores as informações necessárias para que este possa fazer conscientemente a sua escolha. Como buscamos fazer neste texto.


É possível escolher conscientemente um candidato?


Mas não é impossível o eleitor comum saber como escolher seus candidatos diante das complicadas regras da eleição proporcional brasileira.

Hoje, qualquer eleitor medianamente informado sabe que a bancada do PT vai crescer na Câmara Legislativa (assim como a representação brasiliense do Partido na Câmara dos Deputados). Dos atuais quatro deputados distritais, deve chegar a seis, podendo atingir sete. Isto quer dizer que, no caso do PT, têm reais chances eleitorais os sete candidatos mais fortes. Com uma margem de erro, é possível considerar os dez nomes mais fortes. No caso do PT, o eleitor tem a clareza de que, caso o seu candidato não se eleja, seus votos serão aproveitados por um mais forte que ele, mas que tem compromissos relativamente parecidos. Afinal, o partido tem caráter ideológico, ficando menor o risco de traição ao que se propôs na campanha.

A forma de avaliação é a mesma para os demais partidos. O PMDB deve eleger um mínimo de quatro e um máximo de seis deputados. Logo, se o eleitor está tentado a votar em um candidato do PMDB, é sempre bom avaliar se ele deverá estar entre os seis com maiores chances de eleger-se. Se não estiver, o eleitor não estará votando nele, mas em um daqueles mais fortes.

O mesmo se dá com as demais legendas. Estima-se que poucos partidos consigam eleger deputados distritais: PT (4 a 6), PSB (1 a 2), PDT (1 a 2), PMDB (4 a 6), PSDB (3 a 5), DEM (3 a 5), PSC (2 a 4), PSL (1 a 2). O resto da composição deverá ficar com PTB, PP, PR, PRP e PRB. Outros partidos podem chegar a eleger algum deputado: PCdoB, PSol.

Pode haver surpresas? É claro. Mas os resultados não vão se distanciar muito disso.

Se conhece um pouco a política, o eleitor sabe se o seu candidato (caso não seja dos mais fortes) é semelhante aos que têm chances de se eleger. Daí, tem condições de avaliar se vale a pena correr o risco de dar o voto para um sabendo que, muito provavelmente, ele irá para outro.

É por essas e outras que a Reforma Política afigura-se como uma pauta inadiável. Ela pode tornar as eleições mais claras. Segundo a proposta do PT, o eleitor votaria no partido de sua preferência, tendo evidentemente o direito de saber previamente qual a lista de candidatos que o partido apresenta e a ordem de preferência dos candidatos. Será eleito o número de candidatos que represente a proporção dos votos obtidos.


Fernando Tolentino

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O FIM UM CICLO EM QUE A VELHA MÍDIA FOI SOBERANA


Luis Nassif


Dia após dia, episódio após episódio, vem se confirmando o cenário que traçamos aqui desde meados do ano passado: o suicídio do PSDB apostando as fichas em José Serra; a reestruturação partidária pós-eleições; o novo papel de Aécio Neves no cenário político; o pacto espúrio de Serra com a velha mídia, destruindo a oposição e a reputação dos jornais; os riscos para a liberdade de opinião, caso ele fosse eleito; a perda gradativa de influência da velha mídia.

O provável anúncio da saída de Aécio Neves marca oficialmente o fim do PSDB e da aliança com a velha mídia carioca-paulista que lhe forneceu a hegemonia política de 1994 a 2002 e a hegemonia sobre a oposição no período posterior.

Daqui para frente, o outrora glorioso PSDB, que em outros tempos encarnou a esperança de racionalidade administrativa, de não-sectarismo, será reduzido a uma reedição do velho PRP (Partido Republicano Paulista), encastelado em São Paulo e comandado por um político – Geraldo Alckmin – sem expressão nacional.


Fim de um período odioso


Restarão os ecos da mais odiosa campanha política da moderna história brasileira – um processo que se iniciou cinco anos atrás, com o uso intensivo da injúria, o exercício recorrente do assassinato de reputações, conseguindo suplantar em baixaria e falta de escrúpulos até a campanha de Fernando Collor em 1989.

As quarenta capas de Veja – culminando com a que aparece chutando o presidente – entrarão para a história do anti-jornalismo nacional. Os ataques de parajornalistas a jornalistas, patrocinados por Serra e admitidos por Roberto Civita, marcarão a categoria por décadas, como símbolo do período mais abjeto de uma história que começa gloriosa, com a campanha das diretas, e se encerra melancólica, exibindo um esgoto a céu aberto.

Levará anos para que o rancor seja extirpado da comunidade dos jornalistas, diluindo o envenenamento geral que tomou conta da classe.
A verdadeira história desse desastre ainda levará algum tempo para ser contada, o pacto com diretores da velha mídia, a noite de São Bartolomeu, para afastar os dissidentes, os assassinatos de reputação de jornalistas e políticos, adversários e até aliados, bancados diretamente por Serra, a tentativa de criar dossiês contra Aécio, da mesma maneira que utilizou contra Roseana, Tasso e Paulo Renato.


O general que traiu seu exército


Do cenário político desaparecerá também o DEM, com seus militantes distribuindo-se pelo PMDB e pelo PV.

Encerra-se a carreira de Freire, Jungman, Itagiba, Guerra, Álvaro Dias, Virgilio, Heráclito, Bornhausen, do meu amigo Vellozo Lucas, de Márcio Fortes e tantos outros que apostaram suas fichas em uma liderança destrambelhada e egocêntrica, atuando à sombra das conspirações subterrâneas.

Em todo esse período, Serra pensou apenas nele. Sua campanha foi montada para blindá-lo e à família das informações que virão à tona com o livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr e da exposição de suas ligações com Daniel Dantas.

Todos os dias, obsessivamente, preocupou-se em vitimizar a filha e a ele, para que qualquer investigação futura sobre seus negócios possa ser rebatida com o argumento de perseguição política.

A interrupção da entrevista à CNT expôs de maneira didática essa estratégia que vinha sendo cantada há tempos aqui, para explicar uma campanha eleitoral sem pé nem cabeça. Seu argumento para Márcia Peltier foi: ocorreu um desrespeito aos direitos individuais da minha filha; o resto é desculpa para esconder o crime principal.

Para salvar a pele, não vacilou em destruir a oposição, em tentar destruir a estabilidade política, em liquidar com a carreira de seus seguidores mais fiéis.

Mesmo depois que todas as pesquisas qualitativas falavam na perda de votos com o denuncismo exacerbado, mesmo com o clima político tornando-se irrespirável, prosseguiu nessa aventura insana, afundando os aliados a cada nova pesquisa e a cada nova denúncia.

Com isso, expôs de tal maneira a filha, que não será mais possível varrer suas estripulias para debaixo do tapete.


A marcha da história


Os episódios dos últimos dias me lembram a lavagem das escadarias do Senhor do Bonfim. Dejetos, lixo, figuras soturnas, almas penadas, todos sendo varridos pela água abundante e revitalizadora da marcha da história.

Dia após dia, mês após mês, quem tem sensibilidade analítica percebia movimentos tectônicos irresistíveis da história.

Primeiro, o desabrochar de uma nova sociedade de consumo de massas, a ascensão dos novos brasileiros ao mercado de consumo e ao mercado político, o Bolsa Família com seu cartão eletrônico, libertando os eleitores dos currais controlados por coronéis regionais.

Depois, a construção gradativa de uma nova sociedade civil, organizando-se em torno de conselhos municipais, estaduais, ONGs, pontos de cultura, associações, sindicatos, conselhos de secretários, pela periferia e pela Internet, sepultando o velho modelo autárquico de governar sem conversar.

Mesmo debaixo do tiroteio cerrado, a nova opinião pública florescia através da blogosfera.

Foi de extremo simbolismo o episódio com o deputado do interior do Rio Grande do Sul, integrante do baixo clero, que resolveu enfrentar a poderosa Rede Globo.

Durante dias, jornalistas vociferantes investiram contra UM deputado inexpressivo, para puni-lo pelo atrevimento de enfrentar os deuses do Olimpo. Matérias no Jornal Nacional, reportagens em O Globo, ataques pela CBN, parecia o exército dos Estados Unidos se valendo das mais poderosas armas de destruição contra um pequeno povoado perdido.

E o gauchão, dando de ombros: meus eleitores não ligam para essa imprensa. Nem me lembro do seu nome. Mas seu desprezo pela força da velha mídia, sem nenhuma presunção de heroísmo, de fazer história, ainda será reconhecido como o momento mais simbólico dessa nova era.


Os novos tempos


A Rede Record ganhou musculatura, a Bandeirantes nunca teve alinhamento automático com a Globo, a ex-Manchete parece querer erguer-se da irrelevância.

De jornal nacional, com tiragem e influência distribuídas por todos os estados, a Folha foi se tornando mais e mais um jornal paulista, assim como o Estadão. A influência da velha mídia se viu reduzida à rede Globo e à CBN. A Abril se debate, faz das tripas coração para esconder a queda de tiragem da Veja.

A blogosfera foi se organizando de maneira espontânea, para enfrentar a barreira de desinformação, fazendo o contraponto à velha mídia não apenas entre leitores bem informados como também junto à imprensa fora do eixo Rio-São Paulo. O fim do controle das verbas publicitárias pela grande mídia, gradativamente passou a revitalizar a mídia do interior. Em temas nacionais, deixou de existir seu alinhamento automático com a velha mídia.

Em breve, mudanças na Lei Geral das Comunicações abrirão espaço para novos grupos entrarem, impondo finalmente a modernização e o arejamento ao derradeiro setor anacrônico de um país que clama pela modernização.


As ameaças à liberdade de opinião


Dia desses, me perguntaram no Twitter qual a probabilidade da imprensa ser calada pelo próximo governo. Disse que era de 25% - o percentual de votos de Serra. Espero, agora, que caia abaixo dos 20% e que seja ultrapassado pela umidade relativa do ar, para que um vento refrescante e revitalizador venha aliviar a política brasileira e o clima de São Paulo.


18 de setembro de 2010

Luis Nassif Online

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

UM MODELO PARTIDÁRIO TRAZIDO DO ATRASO


Maria Inês Nassif


A “mexicanização” do quadro partidário brasileiro é um debate a ser colocado em devidos termos. A ameaça de que o PT, depois das eleições de outubro, se transforme num Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México de 1929 a 2000, é apresentada como “denúncia”. Isso é, no mínimo, um equívoco.

A questão merece ser tratada criticamente por todos os atores do cenário político, sob pena de a eleição consolidar, de fato, e por um bom tempo, um único partido com condições de acesso ao poder pelo voto.
Essa perspectiva está colocada não porque o PT trapaceou, mas porque a oposição acreditou demais no seu poder de influenciar massas via convencimento das elites.

É uma estratégia medíocre de ação política, num mundo onde o acesso à informação tem aumentado e ao mesmo tempo saído da órbita exclusiva da influência dos grandes grupos, e num Brasil onde um grande número de cidadãos-eleitores deixou a pobreza absoluta, outro tanto ascendeu à classe média, a escolaridade aumentou, o acesso à internet é maior e a influência das elites sobre os mais pobres tornou-se muito, muito relativa.

Dos partidos na oposição, apenas o PSol, em passado recente, e o PPS, quando remotamente era PCB, conseguiram pelo menos formular idealmente um conceito de partido de massas.

O PSol fracassou porque foi criado na contramão de um crescimento espantoso do PT, partido do qual se originou, e do recuo de setores que, durante o mensalão, ensaiaram abandonar o partido de Lula. Amedrontados com a retórica pré-64 da oposição, esses setores acabaram lentamente retornando à órbita do petismo.

O PCB conseguiu a façanha de ser um partido de massas apenas quando tinha um líder carismático, Luiz Carlos Prestes. Como viveu boa parte de sua existência na clandestinidade, é difícil saber se teria vocação para sair da política de vanguarda e ganhar substância em setores mais amplos. O PPS, que o sucedeu, certamente não mostra essa capacidade.

O PT continua a exceção no quadro partidário. A estrutura montada pelo partido nacionalmente, quando começava a se perder na burocratização da máquina, foi salva pelo lado popular do governo Lula e pela ofensiva oposicionista. O partido não é mais o que era quando foi fundado, mas é certo que tem uma representação social.

As demais legendas, em especial as de oposição, não conseguiram sair da camisa de força dos partidos de quadros. O PSDB, que catalisou a oposição a Lula, e o DEM, com o qual é mais identificado, terceirizaram a ação partidária para uma mídia excessivamente simpática a um projeto que, mais do que de classes, é antipetista.

Todo trabalho de organização partidária, de formulação ideológica e de articulação orgânica foi substituído por uma única estratégia de cooptação, a propaganda política assumida pelos meios de comunicação tradicionais.

A vanguarda oposicionista tem sido a mídia. Esta, espelhando-se na velha estrutura social do país, tem praticado uma conversa exclusiva com os seus: assumiu um discurso para agradar a elite, que por sua vez perdeu quase totalmente seu poder de influência sobre os menos ricos e escolarizados. Os partidos de oposição e a mídia falam um para o outro. Pouco têm agregado em apoio popular, que significaria voto na urna e, portanto, vitória eleitoral.

A ideia de propaganda política via mídia, que para a esquerda pré-Muro de Berlim era uma parte da estratégia de tomada do poder, e para os social-democratas a estratégia de conquista do poder pelo voto, tornou-se a única ação efetiva da oposição brasileira, exercida, porém, de fora dos partidos.

Teoricamente, a mídia tradicional brasileira não é partidária. Na prática, exerce essa função no hiato deixado pela deficiente organização dos partidos que hoje estão na oposição ao presidente Lula. E o produto final não é exatamente a agregação de adeptos, mas uma conversa entre iguais, que se autoalimenta de um discurso trazido do udenismo, pouco propenso a conduzir um debate propriamente ideológico.

Esse não é um fenômeno pós-Lula simplesmente, embora os dois governos do presidente petista tenham dado grande contribuição a esse descolamento entre a “opinião pública” e a “opinião dos pobres”. Logo no início da redemocratização, foi instituído o voto do analfabeto.

Ao longo dos dois últimos governos – portanto, nos últimos 15 anos – ocorreram ganhos de cidadania via aumento de escolaridade e renda que, por si só, incentivam a autonomia do voto. Nos últimos sete anos, os programas de transferência de renda reforçaram essa tendência.

Esse contingente de novos eleitores ganhou autonomia de voto e se descolou da mídia tradicional. Nesse universo, os formadores de opinião pública – por sua vez formados pela mídia – não têm o mesmo acesso que tinham antigamente.
O ingresso dos antigos desletrados na era da informação tem se dado pela televisão – e aí o horário eleitoral gratuito é neutralizador – e um pouco pela internet, mas a decisão política ocorre por ganhos de cidadania.
Como a mídia tradicional é a única a operar como “propagandista” dos partidos de centro e de direita que nunca acharam necessário incorporar militância, formar quadros ou mesmo publicizar ideário, é de se supor que a capacidade de formação de consensos da mídia tradicional seja pouco significativa numa parcela do eleitorado que ascendeu recentemente ao mercado consumidor.
O bloco oposicionista, que inclui não apenas os partidos, mas a mídia tradicional, não entendeu as mudanças que ocorreram no país. O modelo partidário que trazem na cabeça é um que pressupõe alinhamento automático de parcelas da população com líderes distantes ou donos de votos locais, ou a submissão da “ignorância” popular à opinião formada por iluminados.
O novo Brasil não comporta mais isso. Esse modelo de política é elitista, porque não parte do princípio que as pessoas são iguais inclusive no direito de formar uma opinião própria.


16 de Setembro de 2010

Maria Inês Nassif, no Valor Econômico

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A PERGUNTA QUE A SOFREGUIDÃO OMITE

A violação do sigilo fiscal de qualquer cidadão brasileiro, um direito constitucional garantido desde 1988, é crime exceto se motivada por interesse público, judicialmente definido. Dito isto, porém, é inevitável ponderar que a energia crítica da mídia na abordagem maciça e articulada do obscuro episódio de vazamernto dos dados fiscais de Verônica Serra, filha do presidenciável, omite um ponto crucial do ponto de vista do rigoroso manejo da carpintaria jornalística. Sua elisão beneficia os que enxergam na sofreguidão do atual bombardeio interesses eleitorais (e por que não dizer, um certo desespero, do tipo 'tudo ou nada') superiores à disposição de informar, esclarecer e defender a cidadania. A questão espetacularmente ausente das toneladas de papel, tinta e megatempo de exposição em rádio e tevê que o assunto tem merecido (em desfrutável e sugestiva interação com a propaganda política do presidenciável ex-governador de SP) pulsa limpidamente na cabeça de qualquer eleitor medianamente curioso: afinal, o que teria de tão altamente comprometedor na declaração de renda da filha de José Serra (e de amigos do peito do presidenciável) a ponto de, como se insinua, motivar adversários políticos, não necessariamente externos ao seu partido [leia o artigo 'Pó pará, Serra!' abaixo] ou quadrilhas de chantagistas a violarem seu sigilo fiscal? E, mais que isso, conforme informa hoje o jornalão da família Frias, ter motivado o ex-governador a (diz a Folha) comentar o problema já em janeiro, com o próprio chefe do governo, que agora acusa de cúmplice?...

PÓ PARÁ, SERRA!

A via do desespero pode custar caro a Serra. Além das ações judiciais, começam a circular informações dando conta de algumas “coincidências” entre a data em que teria ocorrido a violação do sigilo fiscal de sua filha e o período da guerra surda que travou com o ex-governador de Minas, Aécio Neves.

Marco Aurélio Weissheimer

O corregedor-geral eleitoral, ministro Aldir Passarinho Junior, arquivou nesta quinta-feira 02/09/10 a representação da coligação O Brasil Pode Mais, do candidato José Serra (PSDB), que pedia a cassação do registro da candidatura de Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República. Na representação, a coligação de Serra acusa Dilma e outras seis pessoas (o candidato ao Senado por Minas Gerais, Fernando Pimentel, os jornalistas Amaury Junior e Luiz Lanzetta, o secretário da Receita Federal Otacílio Cartaxo, e o corregedor-geral da Receita Federal, Antonio Carlos Costa D’Ávila) de “usar a Receita Federal para quebrar o sigilo fiscal de pessoas ligadas ao candidato Serra, com a intenção de prejudicá-lo em benefício da campanha da candidata Dilma”.
Como se sabe, Serra não apresentou nenhuma prova para sustentar essa grave acusação. Ou, nas palavras do ministro Aldir Passarinho Junior, não apresentou “concreta demonstração” de que a candidata Dilma Rousseff teria se beneficiado dos atos. Além disso, o ministro não reconheceu a existência de “lesividade na conduta capaz de desequilibrar a disputa eleitoral”. Os fatos narrados, destacou ainda o ministro, podem “configurar falta disciplinar e infração penal comum que devem ser apuradas em sede própria, que não é a seara eleitoral”.
Mas Serra já havia atingido seu objetivo: criar um factóide que, graças aos braços midiáticos de sua campanha, ganharam as manchetes dos grandes jornais e uma edição do Jornal Nacional de quarta-feira que, pelo seu evidente caráter manipulatório, lembrou aquela feita no famoso debate entre Lula e Collor. Em queda livre nas pesquisas, sem programa, sem discurso, sem projeto e mudando de linha a cada semana, o candidato José Serra partiu para o vale-tudo. Queria que o episódio ganhasse manchetes para ele usar no horário eleitoral. Conseguiu isso. Esse é, no momento, o programa/projeto que o candidato tucano tem a oferecer ao Brasil.
A estratégia desesperada pode ter o efeito totalmente inverso ao esperado. Maria Inês Nassif escreveu ontem no Valor:
“É tênue a separação entre uma acusação – a de que Dilma é a responsável pela quebra de sigilo – e a infâmia, no ouvido do eleitor. Quando a onda está contra o candidato que faz a acusação, um erro é fatal. Essa sintonia não parece que está sendo conseguida. O aumento da rejeição do candidato tucano, desde o início da propaganda eleitoral, é alarmante.”
Pior ainda: além do aumento da já crescente rejeição ao candidato tucano, o episódio pode expor a montagem de uma farsa (e de um crime) com cúmplices espalhados em várias redações brasileiras. A farsa: a campanha de Dilma teria quebrado o sigilo fiscal da filha de Serra. O crime: as acusações desprovidas de prova e fundamento dirigidas contra a pessoa da candidata. O PT anunciou hoje que decidiu entrar com duas ações judiciais contra Serra e uma contra o presidente do PSDB, Sérgio Guerra.
A primeira medida é uma representação no TSE, com base no artigo 323 do código que regula as eleições. O crime previsto é imputar fato sabidamente não praticado pelo adversário para atingir objetivos nas eleições. Neste caso, segundo José Eduardo Cardozo, secretário-geral do PT, Serra e o PSDB sabem que o PT e a campanha de Dilma Rousseff não tiveram qualquer participação na quebra de sigilo de pessoas ligadas aos tucanos, mas assim mesmo fazem acusações. Além desta, o partido decidiu entrar com outra ação judicial contra José Serra por calúnia, difamação e injúria. A última medida é a representação na Procuradoria Geral da República contra Sérgio Guerra, por crime contra a honra devido às repetidas declarações de Guerra, acusando o PT e Dilma de serem os responsáveis por quebras de sigilo fiscal.
A estratégia pode custar caro a Serra. Além das ações, começaram a circular informações nesta quinta-feira, dando conta das incríveis “coincidências” entre a data em que teria ocorrido a violação do sigilo da filha de Serra e a da guerra que o ex-governador de São Paulo travou com o ex-governador de Minas, Aécio Neves. Essa guerra tem uma trama novelesca, envolvendo confusões policiais em festas, acusações de agressões, chantagens e investigações especiais realizadas pelos dois lados em disputa. Pois ambas as coisas, a quebra do sigilo com uso de procuração falsa e o ápice da guerra Serra-Aécio ocorreram no mesmo mês, setembro de 2009.
Conforme foi amplamente noticiado, o jornal Estado de Minas estaria, neste período, preparando uma “investigação especial” sobre Serra. O jornalista Amaury Ribeiro Jr., que trabalhou no Estado de Minas, anunciou o lançamento de um livro sobre os bastidores do processo de privatizações. Esse trabalho atingiria Serra e aliados. Em novembro de 2009, o blog de Juca Kfouri publicou uma nota afirmando que Aécio teria agredido a namorada em uma festa. A virulência desta guerra pode ser atestada em um inacreditável artigo de Mauro Chaves (jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor, conforme ele mesmo se apresenta), que reproduzimos abaixo, publicado no jornal O Estado de São Paulo em 28 de fevereiro de 2009. O recado do artigo, que critica as aspirações políticas de Aécio Neves, está resumido no título “Pó pará, governador?” A expressão aparece na última linha de modo inteiramente abrupto, como quem não quer nada:

O problema tucano, na sucessão presidencial, é que na política cabocla as ambições pessoais têm razões que a razão da fidelidade política desconhece. Agora, quando a isso se junta o sebastianismo (a volta do rei que nunca foi), haja pressa em restaurar o trono de São João Del Rey... Só que Aécio devia refletir sobre o que disse seu grande conterrâneo João Guimarães Rosa: "Deus é paciência. O diabo é o contrário." E hoje talvez ele advertisse: Pó pará, governador?Curiosamente, o jornal O Estado de Minas, ligado a Aécio, deu pouquíssima repercussão ao caso da filha de Serra. O mesmo ocorreu com o Correio Braziliense. Ambos os jornais pertencem ao mesmo grupo, os Diários Associados. Ao contrário da imensa maioria dos jornalões brasileiros (como, pricipalmente, os da província de São Paulo e os da Organizações Globo), não julgaram o tema relevante. Coisas da nossa brava imprensa, não é mesmo?
Nada disso importa a Serra, o homem que Pode Mais, o D. Sebastião brasileiro. O ex-governador de São Paulo é conhecido por isso: acredita que pode qualquer coisa. Pode? O povo brasileiro dará a resposta. E, pegando carona na expressão do articulista do Estadão, ele poderá dizer: Pó pará, Serra!

Marco Aurélio Weissheimer é editor-chefe da Carta Maior
(correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)

PÓ PARÁ, GOVERNADOR?


Mauro Chaves - O Estado de S.Paulo

Em conversa com o presidente Lula no dia 6 de fevereiro, uma sexta-feira, o governador Aécio Neves expôs-lhe a estratégia que iria adotar com o PSDB, com vista a obter a indicação de sua candidatura a presidente da República. Essa estratégia consistia num ultimato para que a cúpula tucana definisse a realização de prévias eleitorais presidenciais impreterivelmente até o dia 30 de março - "nem um dia a mais". Era muito estranho, primeiro, que um candidato a candidato comunicasse sua estratégia eleitoral ao adversário político antes de fazê-lo a seus correligionários. Mais estranho ainda era o fato de uma proposta de procedimento jamais adotada pelo paartido desde sua fundação, há 20 anos (o que exigiria, no mínimo, uma ampla discussão partidária interna), fosse introduzida por meio de um ultimato, uma "exigência" a ser cumprida em um mês e meio, sob pena de... De quê, mesmo?

O que Aécio fará se o PSDB não adotar as prévias presidenciais até 30 de março? Não foi dito pelo governador mineiro (certamente para não assinar oficialmente um termo de chantagem política), mas foi barulhentamente insinuado: em caso da não-aprovação das prévias, Aécio voaria para ser presidenciável do PMDB. É claro que para o presidente Lula e sua ungida presidenciável, a mãe do PAC, não haveria melhor oportunidade de cindir as forças oposicionistas, deixando cada uma em um dos dois maiores colégios eleitorais do País. E é claro que para o PMDB, com tantos milhões de votos no País, mas sem ter quem os receba, como candidato a presidente da República, a adoção de Aécio como correligionário/candidato poderia significar um upgrade fisiológico capaz de lhe propiciar um não programado salto na conquista do poder maior - já que os menores acabou de conquistar.

Pela pesquisa nacional do Instituto Datafolha [em fevereiro de 2009], os presidenciáveis tucanos têm os seguintes índices: José Serra, 41% (disparado na frente), e Aécio Neves, 17% (atrás de Ciro Gomes, com 25%, e de Heloisa Helena, com 19%). Por que, então, o governador de Minas se julga capaz de reverter espetacularmente esses índices, fazendo sua candidatura presidencial subir feito um foguete e a de seu colega e correligionário paulista despencar feito um viaduto? Que informações essenciais haveria, para se transmitirem aos cerca de 1 milhão e pouco de militantes tucanos (supondo-se que estes fossem os eleitores das "exigidas" prévias, que ninguém tem ideia de como devam ser), para que pudesse ocorrer uma formidável inversão de avaliação eleitoral, que desse vitória a Aécio sobre Serra (supondo que o governador mineiro pretenda, de fato, vencê-las)?

Vejamos o modus faciendi de preparação das prévias, "exigido" pelo governador mineiro: ele e Serra sairiam pelo Brasil afora apresentando suas "propostas" de governo, suas soluções para a crise econômica, as críticas cabíveis ao governo federal e coisas do tipo. Seriam diferentes ou semelhantes tais propostas, soluções e críticas? Se semelhantes, apresentadas em conjunto nos mesmos palanques "prévios", para obter o voto do eleitor "prévio", cada um dos concorrentes tucanos teria de tentar mostrar alguma vantagem diferencial. Talvez Aécio apostasse em sua condição de mais moço, com bastante cabelo e imagem de "boa pinta", só restando a Serra falar de sua maior experiência política, administrativa e seu "preparo geral", em termos de conhecimento, cultura e "traquejo". Mas se falassem a mesma coisa, harmonizados e só com vozes diferentes, os dois correriam o risco de em algum lugar ermo do interior ser confundidos com dupla sertaneja - quem sabe Zé Serra e Ah é, sô!

Agora, se os discursos forem diferentes, em palanques "prévios" diferentes, haverá uma disputa de acirramento imprevisível. E no Brasil não temos a prática norte-americana das primárias - que uniu Obama e Hillary depois de se terem escalpelado. Por mais que disfarcem e até simulem alianças, aqui os concorrentes, após as eleições, sempre se tornam cordiais inimigos figadais. E aí as semelhanças políticas estão na razão direta das diferenças pessoais. Mas não há dúvida de que sob o ponto de vista político-administrativo Serra e Aécio são semelhantes, porque comandam administrações "competentes".

Ressalvem-se apenas as profundas diferenças de cobrança de opinião pública entre Minas e São Paulo. Quem já leu os jornais mineiros, fica impressionado com a absoluta falta de crítica em relação a tudo o que se relacione, direta ou indiretamente, ao governo ou ao governador. E quem já leu os jornalões de São Paulo, fica também impressionado com a absoluta falta de crítica em relação a tudo o que se relacione, direta ou indiretamente, ao governo ou ao governador Serra.

O caso do "mensalão tucano" só foi publicado pelos jornais de Minas depois que a imprensa do País inteiro já tinha dele tratado (e que o governador se pronunciou a respeito). É que em Minas imprensa e governo são irmãos xifópagos, assim como em São Paulo e no Distrito Federal com o governo Arruda.

O problema tucano, na sucessão presidencial, é que na política cabocla as ambições pessoais têm razões que a razão da fidelidade política desconhece. Agora, quando a isso se junta o sebastianismo (a volta do rei que nunca foi), haja pressa em restaurar o trono de São João Del Rey... Só que Aécio devia refletir sobre o que disse seu grande conterrâneo João Guimarães Rosa: "Deus é paciência. O diabo é o contrário."
E hoje talvez ele advertisse: Pó pará, governador?

28 de fevereiro de 2009 0h 00

Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor,
administrador de empresas e pintor (mauro.chaves@attglobal.net)